DEIXAR PARTIR (PARTE 2)

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#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se Madame Lita e Margareth intercaladas, uma se contrapondo a outra; Lita de perfil, virada para a esquerda, Margareth virada para frente, ambas serenas

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#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se Madame Lita e Margareth intercaladas, uma se contrapondo a outra; Lita de perfil, virada para a esquerda, Margareth virada para frente, ambas serenas.

***

MARGARETH PERGUNTOU-SE SE ERA A MAÇANETA DA PORTA OU SUA MÃO QUE ESTAVA GELADA DAQUELE JEITO. Tomou fôlego e pensou em ir embora. Quando recebeu o convite de Sâmia para conversar com a mãe, aceitara sem pensar duas vezes. Em parte, motivada pela emoção do momento, em parte por uma espécie de auto pressão, Margareth não questionou a atitude da filha. Mas agora, a um passo de concretizar o ato, sentia-se tola, indefesa.

Quando se passa tanto tempo em guerra, o corpo desaprende a magia dos pequenos gestos de empatia.

Preparava-se para ir embora quando a porta se abriu e o perfume de Madame Lita a segurou pelas memórias: era o mesmo perfume usado pela sra. Delgo quando estivera no funeral de Uriel, tantos anos atrás.

— Mais uma fuga, Margareth?

— Eu tive uma boa professora de fugas, não é?!

Lita confirmou com um sorriso de resignação e aproximou-se da filha. Olhou-a por alguns segundos. Seu próprio rosto estava ali, escondido por aquela expressão rancorosa; mascarado por anos de uma convivência atribulada. Chegou a mover a mão em direção ao rosto dela, mas desistiu no meio do caminho. Carinhos repentinos em faces raivosas exigem muita coragem - uma coragem que Madame Lita não tinha naquele momento.

Só havia um jeito de iniciar aquela conversa.

Margareth estranhou a atitude da mãe.

— O q-quê a senhora está fazendo?

— Eliminando níveis de hierarquia. - a senhora sentou-se no chão e cruzou as pernas, as mãos repousadas nos joelhos. — Por uma tarde, nós vamos ser apenas duas mulheres, frente a frente, sem parentescos; duas mulheres com os pés firmes no chão e cientes do que estão fazendo. Você pode fazer isso?

Com certa relutância, Margareth atendeu ao pedido. O pai costumava fazer isso com ela quando pequena. Sentados da mesma forma, os dois passavam horas em uma troca de sentimentos e cumplicidade. Não se viam como pai e filha. Eram, sim, como dois colhedores das estufas, lado a lado em uma colheita de sinceridade e união; uma colheita de redescobertas do sentido de "ser família". A mãe repetir aquele gesto tão único à Uriel soou como um escárnio para a sra. Sotein. Como se lesse os pensamentos da filha, Lita confessou.

— Sabe, eu nunca entendi o porquê do seu pai fazer isso...

— É claro que não. A senhora nunca ficava em casa...

— Margareth... Uriel também fazia isso comigo.

O espanto subiu pela face da mulher tão rápido quando uma aranha. Ela não conseguiu tirá-la dos seus olhos.

O Bailarino de ArcéhOnde histórias criam vida. Descubra agora