O Bailarino de Arcéh

OS TRÊS ANCIÃOS (PARTE 1)

LADEL ESTAVA INQUIETO. Andava de um lado para o outro e pouco se importava com os resmungos da mulher agachada a um canto. Se pudesse, explodiria tudo ao seu redor. Não deveria ter confiado naquele idiota humano. Drenton estava tão fora de si que seus sentimentos o deixaram frágil e a velha Voggi conseguiu enxergar o deus através dos seus olhos. Foram poucos segundos, talvez um piscar de olhos antes dele matar Paberos, mas aquilo poderia dificultar as coisas. Se tivesse se arriscado a ele mesmo atacar a Sotein e tomar a criança, boa parte dos seus planos estariam adiantados. Confiou no sentimento de raiva daqueles humanos, mas esquecera-se do quanto seus corações os atrapalhavam. Enquanto uns ignoraram a vingança, Drenton deixou-se consumir por ela.

Ladel procurou se acalmar.

No momento, sua melhor opção era se concentrar na conversa com os Anciãos.

Se tudo desse certo, destruiria Arcéh com um sopro.

Já fazia alguns dias que ele e a deusa estavam no cume daquela montanha à espera de Gyen. No fundo, o Verão esperava pela morte do irmão durante a travessia da floresta. Se o Inverno também desaparecesse, assim como a Primavera, o Conselho seria obrigado a escolher um sucessor definitivo, alguém forte o bastante para tomar as rédeas do mundo e controlar as quatro bases da magia. Olhou em direção à mulher. Melancólica, cabelos opacos ao vento, olheiras profundas e coberta por uma abaya* marrom amarrotada, a aparência devastada de Yubay não lhe daria nenhum voto do Conselho. Podia até ser uma divindade poderosa com seu ar místico, mas não era párea para as habilidades de Ladel.

"O Outono está fora do jogo.", comemorou o deus.

* NOTA DO AUTOR: Abaya é uma vestimenta feminina que cobre todo o corpo. Possui mangas compridas, apliques de pedrarias e bordados diversos, complementada com o uso do veu longo (shayla) ou do veu curto (hijab) sobre os cabelos. 

#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se a imagem de uma mulher de cabelos amarelo-palha envolta em folhas secas. A pele dela é acinzentada e parecem correm raízes por onde deveriam estar as veias.

***

Degustava seu breve momento de glória quando uma porta apareceu no ar e se escancarou com um estrondo. O barulho de confusão chegou até os dois deuses. No último lance da escadaria do outro lado da porta, uma dezena de guerreiros fazia uma barreira de escudos contra uma horda furiosa. Os rebeldes tomavam todos os degraus abaixo e, com gritos de fúria, tentavam barrar o avanço do homem de aura luminosa. Em vão: o ser abria caminho por entre a confusão como se os inimigos não passassem de galhos secos. Ao se aproximar da parede de defesa, dois guerreiros moveram seus escudos e deram passagem à Gyen. Quando o deus atravessou o portal, tudo sumiu com um sopro.

Ladel e Yubay ficaram sem palavras.

Parado à sua frente, Gyen os olhava com um ar triunfante, sentimento contrastante com a sua aparência. As roupas, sempre brancas e limpas, estavam rasgadas em vários lugares; os pedaços restantes da vestimenta estavam tingidos por uma mistura de lama, sangue e fuligem; o rosto, outrora impecável, agora tinha um corte do lado esquerdo da testa até o queixo e, ao olharem bem, notaram a falta de um pedaço da orelha esquerda.