A TORRE DE ARCÉH (PARTE 2)

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SEM CONSEGUIR DORMIR, PHIL CAMINHAVA PELO QUARTO. Suava, mas não de calor. Nas últimas noites, aquela máscara dourada voltou a invadir seus sonhos e o deixar de pé, sem fôlego. Ao pensar no significado daquilo tudo e encaixar as peças, sentia-se cada vez mais impotente, incapaz de defender a filha. Olhou para a cama onde Sâmia dormia, também agitada. A esposa voltara para casa no mesmo dia do ataque promovido por Drenton Paberos e caíra doente.

Ela também sofria.

Com certeza, muito mais do que ele.

O Voggi foi até a janela tomar um ar quando viu dois pontos brilhantes subirem rumo ao ceu. Pensou ser algum efeito das estrelas ou talvez um reflexo da luz na água do mar, mas a ideia lhe pareceu sem sentido quando os dois brilhantes permaneceram alguns minutos parados lado a lado. Depois, um dos pontos se desprendeu e cortou a noite em direção à cidade. Como um raio, a estrela caiu na Torre de Arcéh e fez o sino principal badalar por um bom período. Quando parou, as outras duas torres responderam, mas não em sinal de alerta. Na verdade, Phil nunca ouvira os sinos ecoarem tão sincronizados. Junto a eles, trombetas começaram a soar por toda a ilha.

A porta do quarto se escancarou e Higor entrou com um sorriso.

— É um milagre, Phil! É um milagre! – o sr. Sotein abraçou o genro, os olhos marejados. — Ela veio nos salvar! Sâmia, Sâmia, acorde!

— O que foi? – Sâmia despertou, assustada. Os sinos das torres Norte e Sul badalavam em sincronia enquanto várias pessoas já passavam na rua aos gritos. Toda a ilha parecia ter despertado.

— A Nyrill, Sâmia! Ela veio nos atender!

— A... Nessa época... É impossível...

Sâmia emudeceu. Havia, sim, uma parte da lenda sobre a vinda da Nyrill para ajudar os arcéh. Era um detalhe da história, uma daquelas partes ignoradas desde que a Nyrill deixara o povo agonizar da primeira e última vez, quando a ilha precisou da sua ajuda e ela não surgiu. Retirada dos livros, esse trecho da lenda permanecia vivo apenas na memória dos antigos, pessoas como Madame Lita, que lhe contara essa parte da lenda muitos anos antes.

"Não pode ser a Nyrill".

Sâmia buscou manter alguma sobriedade. Estava nervosa. Olhou para o marido e este lhe retribuiu o sentimento. Ambos sabiam o significado daquela aparição. Higor, por sua vez, estava em estado de encantamento.

A ignorância é uma benção.

— Pai, eles devem estar tocando os sinos por algum outro motivo. Eu lembro bem dos passos para esse tipo de evento: a ajuda da Nyrill é anunciada primeiro por um badalar bem longo da Torre de Arcéh. Depois pelas outras torres. A torre principal não tocou...

Phil a interrompeu.

— Tocou sim, Sâmia... - Os músculos do rosto dele tremiam. Parecia fazer um tremendo esforço para não gritar. — Eu vi quando um raio caiu na Torre de Arcéh e fez o sino soar... Ele badalou por um bom tempo.

— Um raio? Eu pensei que a Nyrill sempre viesse pelo mar... Ora, o que isso importa, não é mesmo? – perguntou Higor, animado demais para notar o clima tenso no quarto. Aquele dia fora um fardo para o sr. Sotein. Com Margareth cheia de ferimentos e toda a situação da cidade após o ataque dos "Esquecidos", uma notícia daquelas era um alento para a sua sofreguidão. — Na ponte, na torre ou seja lá onde for, nós temos que saudar a nossa salvadora!

— Ninguém vai. – disse Phil, a firmeza em sua voz fez o silêncio despencar no quarto.

— Como assim ninguém vai? Que brincadeira fora de hora! É claro nós vamos. E o quanto antes. Eu vou acordar as crianças... E avisar Margareth e Madame Voggi. Sim. Será um conforto para as duas...

O Bailarino de ArcéhOnde histórias criam vida. Descubra agora