Nenhuma de nós merece isso

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33 dias antes.

Rafaela tinha uma sensação de desconfiança cada vez mais crescente com Luciana. A mãe adotiva vinha se ausentando bastante nos últimos tempos, até mais do que era normal para uma pediatra. Rafa suspeitava que isso tinha a ver com sua mãe biológica mas não podia afirmar com certeza então tudo que fazia era cruzar as pernas e roer os dedos. Até que recebeu uma ligação...

Pegou o celular na mesa de cabeceira e viu o nome da mãe adotiva aparecer no identificador de chamadas. Suspirou e atendeu.

-Alô? – a garota começou desanimada.

-Sei que não temos conversado muito ultimamente mas temos uma coisa pra resolver e você sabe o que é... – a médica disse sem rodeios, os barulhos do fundo sugeriam que ela estava em um lugar movimentado. Talvez o hospital ou algum outro lugar, de repente com alguma outra pessoa...

-Mãe, nós já conversamos sobre isso... – a garota tentou se defender, não tinha a mínima vontade de falar com a mãe biológica, por que esse seu desejo não era respeitado?

-Não é comigo que você tem que conversar – Luciana a interrompeu –Ela vai pra casa amanhã conversar com você. Se nunca mais quiser olhar para a cara dela, tudo bem, mas você tem que dar uma chance para ela se explicar.

Então o telefone foi desligado e Rafa ficou com dezenas de palavras presas na garganta.

***

Marina observava de longe enquanto seu pai conduzia a mãe para a saída do hospital. Ele sorria para os médicos e enfermeiras que estavam no caminho e paravam para cumprimenta-lo, a mãe tinha um olhar vazio apesar do sorriso que ostentava. A loira não conseguia parar de pensar que estava cedo demais, sua mãe não estava nem perto do que poderia ser considerado estável e a garota não queria nem parar para pensar no que poderia acontecer caso ela tivesse outro surto.

Mas se limitou a ficar calada olhando seus pais de longe, torcendo para que tudo desse certo.

Marina sentou no banco de trás e esperou enquanto a mãe se ajeitava desconfortavelmente no banco e o pai dava a partida no carro. O silêncio que se seguiu foi torturante, milhares de coisas não ditas estavam entre eles.

-Acho que deveríamos ir à praia, faz muito tempo que não vamos... – seu pai comentou com um sorriso no rosto mas isso não animou Marina. A última vez que tinham ido à praia sua mãe estava grávida, foi algumas semanas antes do aborto, onde todos os problemas começaram. Antes dela perder o emprego, de parar de sair de casa e depois parar de sair do quarto, antes da sua mente quebrar em um milhão de pedaços confusos... Não sabia se o pai pensara nisso mas teve a impressão que não. A garota, entretanto, percebeu a mãe estremecer levemente, provavelmente se lembrando.

-Talvez, eu não sei – ela respondeu virando o rosto para a janela, seu pai encarou-a com preocupação mas procurou manter o sorriso no rosto.

-Bom, não vamos fazer nada que você não queira – ele pegou a mão dela e apertou –Vamos relaxar um pouco e com o tempo decidimos o que pode ser feito...

Marina observou sua mãe concordar sem encarar o pai, apenas com um aceno de cabeça. A garota se sentia mal em ver o quanto o pai estava se esforçando, era tão doloroso. Era tão difícil amar tanto uma pessoa mas não poder fazer nada para diminuir o sofrimento dela. Se perguntassem à ela o que faria para ajudar a mãe ou qualquer uma das pessoas que amava a resposta seria óbvia: qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa.

E o silêncio continuou enquanto a loira procurava ao máximo bloquear seus pensamentos negativos sem conseguir se livrar da sensação de que ainda era muito cedo para a mãe ter saído do hospital.

Uma dose violenta de qualquer coisaOnde histórias criam vida. Descubra agora