Passado

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A vitamina descia pela minha garganta ruidosamente, mas eu nem sabia identificar de qual fruta era. Minha única distração era ver Hélio que coçava a cabeça a cada dois segundos, demonstrando sua preocupação enquanto conversava com o detetive.

-Bia quer mais? –Alice perguntou apontando para o copo em minhas mãos.

-Obrigada Ali, mas já estou satisfeita. - sorri um pouco mais calma e já alimentada podendo pensar coerentemente.

-Você precisa se manter calma, ficarão bem.- assenti pouco confiante, na verdade minha vontade era de fugir para algum lugar somente com Hélio e meu raio de sol, respirar um pouco de calmaria antes que enlouquecesse.

Como alguém descobriu sobre o acidente? O que aquela ameaça queria dizer?  Meu estômago voltava a embrulhar só de pensar nas fotografias e a onda de medo se espalhava por meu corpo em forma de tremores, elevei minhas pernas e abracei meus joelhos fechando os olhos tentando conseguir um pouco de controle e estabilidade.

-Bia...- Hélio disse me fazendo abrir os olhos e encontrar os seus transbordando de preocupação - O detetive quer te fazer algumas perguntas, mas não quero te forçar a isso, se não estiver bem…

-Não.Quero terminar logo com isso.

Ele suspirou beijando minha testa e acenando para Sérgio, um homem negro de quase 2m de altura que exalava presença, imaginei que ele, Renata e Lucas dariam um trio de botar medo em qualquer um.

-Beatriz preciso que responda minhas perguntas com o máximo de precisão possível, não ignore nenhum detalhe, tudo pode ser importante, entendeu?

-Claro.- respondi ignorando a vontade de revirar os olhos ao escutar a voz mansa do detetive. Imagino que esse tratamento não era o padrão e que com certeza tinha a intervenção de Hélio nisso.

-Então me conte tudo o que sabe sobre sua mãe.

-Tudo o que eu sei foi o que meu avô me contava...- comecei me lembrando do Vovô Soares, um senhor que parecia viver ainda no século passado, extremamente tradicional e religioso, que criou sua única filha após a morte da esposa.- Pra ele, minha mãe era a ovelha negra da família, até onde entendo ela não concordava com o comportamento arcaico dele e assim que teve a oportunidade fugiu de casa para outra cidade, onde mesmo nova, arrumou um emprego temporário na casa de uma família e que nesse meio tempo engravidou.

-E você ou seu avô sabiam algo relacionado ao seu pai?

-Não, para ele minha mãe havia se transformado em uma prostituta, o que eu acredito não ser o caso. Ficou por mais de 1 ano sem ter notícias dela e a que teve foi do acidente que foi fatal, mas que conseguiram me salvar, mesmo nascendo prematuramente.

- E durante esse tempo nunca descobriram mais nada, você nunca teve curiosidade?

-Pra falar a verdade tenho sim e muita! Descobrir quem tinha sido realmente minha mãe, sem a interpretação errônea do meu avô e se meu pai sabia da gravidez e fugiu ou então se ela não contou... enfim são tantas possibilidades que passaram pela minha cabeça durante anos, mas conforme fui amadurecendo, acabei desistindo de procurar respostas e enterrar isso, mas parece que decidiram mudar minha realidade.- desabafei me sentindo um pouco mais leve.

-Eu e minha equipe iremos investigar o máximo possível sobre a vida de seu avô e sua mãe e procurar relacionar um motivo que envolva essa ameaça, e claro, enquanto isso garantiremos a sua segurança.

-Como assim?

-Bia, achei melhor contratar seguranças enquanto buscamos algumas respostas para tudo isso.

-Você também terá né?- ele evitou me olhar.- Não acredito Hélio, como quer que eu fique tranquila sabendo que você estará desprotegido?

-Bia, minha prioridade principal é você e nosso bebê, por favor, me deixe fazer o máximo que puder para proteger vocês.- respirei fundo tentando não surtar de vez, entendia o ponto de vista mas a ideia de que ele poderia se tornar um alvo também era inadmissível.

-Beatriz de onde surgiu esse sobrenome...Alencar?- Zé me perguntou, até então ele estava calado analisando alguns documentos e coisas antigas que havia guardado.

-Nunca parei pra pensar José, acho que deveria ser da minha avó materna, sendo que o do meu avô é Soares. Algum problema?- ele franziu a sobrancelha, parecendo muito concentrado tentando chegar a conclusão de algo. Para mim não fazia sentido e nem tinha relevância a sua pergunta.

A campainha tocou me assustando, acho que já estava ficando traumatizada com ela.

-Deve ser a Renata.- Alice disse enquanto ia atender.

Renata chegou cumprimentando a todos e me lançando um olhar cheio de preocupações.

-Ei, como você está?

-Escutando muito essa pergunta ultimamente. Fisicamente estou muito bem, psicologicamente, quase desabando.- confessei baixo em seu ouvido quando me abraçou, contendo as lágrimas para evitar mais do excesso protetor de Hélio sobre mim.

-Sinto muito por tudo isso Bia, pode ter certeza que cuidarei pessoalmente da infeliz que fez isso.

-Da infeliz?

-Tenho meu palpite.

-Renata não comece.

-Nem vem Hélio, sei que também passou pela sua cabeça e na de todo mundo que sua prima possa estar envolvida nisso. Ela claramente odeia a Bia, quer fazer de tudo pra assustá-la.

Ele trocou olhares com Zé que deu de ombros mas nada respondeu.

-Não querendo defender minha irmã e não descartando essa hipótese, mas ela está muito abalada desde a morte de nosso pai, nem saindo de casa, mal se alimentando, não sei se teria disposição para armar um plano desses.

-As cobras ficam bem quietas antes de dar o bote.- Renata com sua língua afiada soltou.- E com o dinheiro que vocês tem, não precisa sair de quarto nenhum para armar isso.

-Irei averiguar todas as possibilidades, e se a senhorita Tânia tiver algo com isso, descobrirei.- Sérgio disse confiante com sua postura que não dava para contrariar.

Ele, Hélio e Zé saíram para tentar conseguir mais pistas com o porteiro sobre como o envelope veio parar na minha porta.

As meninas tentaram me distrair e conseguiram por algum tempo com  perguntas sobre minha consulta, Renata tinha levado um mundo de revistas sobre gravidez, o que serviu para me relaxar no momento.

-Você não vai me manter bem sem estar bem também Hélio.- disparei logo após ele voltar e as meninas terem se despedido.

-Eu sei.

-Então…

-Então quero que você descanse um pouco.

-Não fuja do assunto Hélio.

-Não estou fugindo meu amor, juro que conversarei sobre isso com você, mas está me atormentando olhar para esses olhos assustados e não poder fazer nada.

As lágrimas até então presas, escaparam livremente, o intuito era demonstrar força mas estava cansando.

-Eu sinto muito Bia, mas farei qualquer coisa para manter você em segurança, não posso e não vou te perder.- me abraçou acalentando um pouco meu coração, mas no fundo estava acontecendo um furação, que me impedia de acreditar que as coisas iriam ficar melhores...

Meu Vizinho BombeiroOnde histórias criam vida. Descubra agora