Capítulo 1 | O EMPURRA CABEÇA

6.8K 392 120
                                    



- Arrastando minha existência pelos corredores...

Quando comecei a perceber que talvez jamais fosse ter um alguém meus dias no São Vicente eram monótonos e padronizados, como se, no segundo ano, alguém tivesse ativado meu piloto automático e eu não mais vivesse, apenas frequentasse as aulas e fiz...

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


Quando comecei a perceber que talvez jamais fosse ter um alguém meus dias no São Vicente eram monótonos e padronizados, como se, no segundo ano, alguém tivesse ativado meu piloto automático e eu não mais vivesse, apenas frequentasse as aulas e fizesse os diversos exercícios que compõe uma rotina de estudos enfadonha e maçante. Me ocorreu que eu de fato não havia nascido pra essa coisa de "namorar", algo que sempre pareceu impossível e inalcançável (sério, como os outros conseguiam?!), talvez o primeiro passo fosse alto estima, pensei, algo que, tendo o rosto repleto de espinhas e um óculos no melhor estilo Velma do Scooby-Doo, sem esquecer o corpo esguio e o aspecto franzino. Era uma virtude que eu sequer desfrutava, e por mais que eu tentasse deixar isso tudo de lado e seguir minha vida resignado, estava falhando miseravelmente, de algumas semanas pra cá tal pensamento se alojou em minha mente como um vírus e ali persistiu me atormentando dia após dia; NAMORADO, NAMORADO, NAMORADO, NAMORADO...

Era mais um dia como qualquer outro, e antes mesmo de me levantar da cama eu já tinha todo um cronograma pragmático em minha mente sobre como seria o meu ciclo individual de vinte e quatro horas; eu me enfiaria embaixo de um chuveiro com jatos de água gelados e fortes, depois escovaria os dentes de modo desleixado e jogaria a mochila repleta de livros nas costas, iria diretamente para a primeira aula, uma vez que era suficientemente humilhante me servir num refeitório repleto de meninos em seus subgrupos; atirando bolinhas de papel uns aos outros, falando sobre garotas e vagina, discutindo futebol ou narrando com triunfo suas aventuras sexuais. Após o primeiro tempo viria o almoço, e com o estômago roncando vergonhosamente, não me restaria escolha além de me enfiar embaixo dos óculos e encarar o epicentro dos ogros, me servindo ligeiramente e me encaminhando até uma das mesas vazias, longe de qualquer percepção, e só então eu poderia desfrutar de uma refeição o tanto incômoda, o rosto praticamente enfiado ao prato. *ufa*
A tarde anunciaria sua chegada com o segundo tempo, e nessa parte eu não tinha do que reclamar, já que nunca procurei ver o estudo como algo obrigatório, mas como principal agente transformador e decisivo em meu futuro, seja ele qual for. E então, ao soar do último sino, eu me veria finalmente livre do agito turbulento que compõe meus dias aqui. E embora eu tivesse todas essas certezas coexistentes em mim , algo era sempre incerto, pois eu nunca, sob hipótese alguma, sabia ao certo quando e onde meus caminhos iriam se cruzar com os do Tomás...

TOMÁS, TOMÁS, TOMÁS...

Talvez tenha sido ao vê-lo estrear no time como meio campo ano passado, na aula de geografia, onde ele discretamente me cutucou e pediu a resposta da questão B, ou no começo do ano, quando eu acidentalmente errei a porta do quarto e me deparei com ele só de cueca, debruçado sobre o sofá, dormindo em meio à roupas sujas e salgadinhos. Em geral, esse tipo de coisa acontece sem que nem percebamos, até que finalmente os sinais denunciem; suspiros inaudíveis, olhares discretos, fantasias sexuais e pensamentos embaralhados; era a primeira vez que eu estava, inegavelmente apaixonado...
Caso não estivéssemos enclausurado nesse universo predominantemente masculino, não seria difícil vê-lo caminhar pelos corredores com alguma dessas vadias interesseiras ou líder de torcida safadinha, isso porque o Tomás era o tipo de garoto que qualquer garota adoraria sair exibindo com orgulho por aí; o moicano desajeitado, os olhos estreitos, o andar lindo/desengonçado e o seu riso rouco e contagiante, (e eu sequer cheguei a metade da extensa lista mental com os seus atributos) já que para qualquer gay numa situação desesperadora como a minha, o simples fato de ter um pênis preencheria todos os requisitos.

O fato é que ele era lindo, e todas as vezes em que surgia no corredor era como se levasse consigo todos os meus sentidos, meu rosto assumia um rubor repentino, meus braços e pernas pareciam fugir ao meu controle e meu coração entrava em colapso, em ocasiões como esta, não era difícil me ver esbarrando em outras pessoas, mudando o caminho para não ser visto ou tropeçando em algo pelo caminho (até mesmo o meu próprio pé, acredite!). E era tudo muito mágico, o Deus passava enquanto os meros mortais apenas olhavam, mas aí toda a imagem da perfeição sumia tão rápido quanto surgiu, me deixando a crua e dolorosa realidade, a certeza de que nunca, jamais iria ter sequer sua amizade, era um pedestal alto e inalcançável para mim.

Se por uma parte o São Vicente não me agradasse, duas coisas eram realmente satisfatórias: apenas duas visitas familiares por ano (Desculpa, vó) e meu colega de quarto, Bartolomeu.
Por gostar de Star Wars, por ser tão organizado quando eu e por ser um leitor assíduo, não foi muito difícil fazermos amizade, ainda que tenha levado um certo tempo (junte duas pessoas extremamente tímidas e saberá do que estou falando). Levou todo o primeiro ano até eu contar para ele que era GAY na raiz da palavra, e fiquei bastante contente ao ver que ele reagiu com tanta indiferença como alguém que anuncia:

-soltei um pum! (Eu)

-tudo bem. (Bartolomeu)

Tudo caminhava monotonamente bem até aquele quatro de julho, quando Bart (para os íntimos) anunciou que iria deixar o São Vicente, acusando a instituição de usar um "método rudimentar de ensino e promover a segregação entre os sexos" palavras dele.
Eu fiquei triste e apavorado: triste por estar perdendo o único amigo que talvez fosse ter até o terceiro ano, apavorado por passar a dividir o quarto com outro garoto, complemente desconhecido, e enquanto guardavamos o restante das suas coisas nas caixas, tal pensamento parecia envolver minha mente numa nebulosa agoniante; e se ele soltasse pum durante a noite? E se largasse suas cuecas sujas por aí? E se gostasse de ver TV no último volume em meus horários de foco e estudo? E se... e se... e se... e foi aí que Bart, ciente da grande e iludida paixão que eu sempre nutri pelo Tomás, após nos despedirmos no vão da porta, anunciou:

- Talvez nem tudo esteja perdido meu chapa!

-Do que está faltando? - Questiono, o olhar torto:

Ele ri de mim por alguns segundos, e então afirma:

- O Tomás, ele é um "Empurra Cabeça".

- O Tomás, ele é um "Empurra Cabeça"

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


@ a.leonan_watt (Instagram)

O Capítulo do Pedro (Spin-off Alojamento dos Héteros)Onde histórias criam vida. Descubra agora