Capítulo 7 | DISTÂNCIA SEGURA

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- Migalhas de amor sempre dão a falsa sensação de barriga cheia.

Eu me lembro de ter chegado ao 107 entorpecido pela total descrença de tudo o que havia ocorrido naquele curto tempo

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Eu me lembro de ter chegado ao 107 entorpecido pela total descrença de tudo o que havia ocorrido naquele curto tempo. Em questão de minutos fui lançado ao completo desespero, para então sair dele direto aos braços do meu primeiro e quiçá eterno amor, Tomás Barbosa, o garoto mais destemido do colégio; rebelde, desordeiro e intrépido, Tomás, cujas histórias de armações ardilosas rondavam todo o internato com a voracidade de lendas urbanas, só que reais e potencialmente perturbadoras, Tomás, o vilão com traços de mocinho que agora acabara de entrar nessa minha novela para protagonizar o restante dos capítulos, sob os seus próprios termos e condições...

O domingo se apresentou para mim após mais uma madrugada de pensamentos voltados ao Tomás, só que dessa vez foi diferente, não o desejo medíocre e impossível de um gay ambicioso, mas a viva e tangível realidade de um caso possível, com todas as possibilidades em aberto, eu me sentia cada vez mais vivo e meu cérebro queria acompanhar meu ritmo, se recusando a desligar-se mesmo ao cair da noite, quando deveria estar se recuperando das emoções do dia passado para ser reabastecido novamente, eu desfrutava de uma sensação nova e incrivelmente boa, da qual eu só queria mais e mais e mais, gozando de todo excesso.

Saí da cama num pulo, radiante, já contando as horas até o reencontro com o Tomás, no banho, deixei a água gélida e anestesiante cair sobre mim enquanto voei em pensamentos, os ferimentos (ainda que recentes), pareciam dormentes ou até mesmo curados (estava ocupado demais me apaixonando para perder tempo com tais insignificâncias).
Não sei bem como, mas algo em mim se renovou, e embora eu não estivesse a altura do Tomás, faria o possível para tentar, de modo que pela primeira vez em muito tempo me preocupei com o que vestir (ao invés de pegar a primeira peça aleatória) como sempre, uma olhada rápida no espelho e novamente desejei não ser amaldiçoado com o 'mal das acnes', mas quanto à isso eu nada podia fazer, por fim, sorri para o meu próprio reflexo no espelho, que me olhava com satisfação pelo meu grande feito, por de alguma forma louca, o universo estar finalmente conspirando ao meu favor...

Logo que deixei o quarto deu-se início a minha 'tática de pavão', que apesar do termo cafona basicamente consistia em sair vagando pelos corredores com o intuito de ser notado (ainda que minimamente) por ele, e assim o fiz, me certificando de recorrer aos locais onde era comum vê-lo, o feito levou mais tempo que o esperado, e aquela altura eu já me perguntava se o internato era realmente grande ou o Tomás quem resolvera sumir do mapa. No momento de nosso encontro, eu montava guarda ao lado do bebedouro do corredor de acesso ao pátio, Tomás tinha o aspecto sonolento e parecia ter acordado há pouco, ele seguia para o refeitório com seu bando, e no momento em que me viu logo tratou de acionar todos os seus alertas internos, se certificando de que não olhara mais que o necessário para não ser considerado um flerte ou algo do tipo, e embora sua passagem tenha sido tão rápida quanto nossa troca de olhares, naquele instante tive a plena confirmação de que compartilhavamos algo.

Levei um tempo até seguir para o refeitório, o suficiente para não parecer que eu estava em seu encalço, de modo que quando cheguei ele já havia saído, me servi de torradas e leite e me encaminhei para o meu 'recinto dos solitários', só que desta vez não me importei, não fazia diferença se quem olhasse de fora veria um garoto fracassado e sem um círculo social, a realidade dos fatos era bem melhor do que qualquer pré julgamento externo.
Enquanto deixava a bandeja vazia no balcão, acabei tomando um baita susto quando o Pierre surgiu sabe-se lá de onde, me dando a certeza de que eu não sofria de nenhum mal cardíaco, ele pegou uma torrada que eu havia deixado (desperdiçar é feio, eu sei.) E abocanhou numa única mordida, falando com as bochechas estufadas:

- Eai, tudo terminou em uma chupada?!

- Não! - Disparei, dando-lhe um tapão no braço com mais força que o previsto. - Foi bem melhor que isso, se quer saber...

Ele ria feito um desvairado, mesmo com a vermelhidão evidenciando o efeito do tapa, mas se conteve para prosseguir:

- Zoas carinha, só queria saber se cê tava bem mesmo, ninguém voltou a te incomodar não né!?

Não fazia muito sentido que ele tão pouco me conhecesse e já tivesse preocupações com meu estado físico, mas não me prolonguei nisso, pois seu questionamento sobre o ocorrido trouxe a tona a voz do Tomás em minha mente, me alertando sobre a distância que teria de manter do Pierre e sua turma dali em diante.
Olhei para os lados, mapeando o refeitório sem me preocupar em ser discreto, apenas em me certificar de que ele não estava presente vendo a minha 'simbiose' com o Pierre, por sorte não havia sinal dele, mas a minha conduta não passou despercebida pelo Pierre:

- Que foi?! Tá com medo de ser visto comigo, é isso? Foi essa a regra que ele estabeleceu?

Eu estava assustado/surpreso demais para falar o que quer que fosse, as palavras se embaralhando em minha garganta enquanto sua esperteza sagaz ia dando forma a toda a situação, e de repente ele não estava mais rindo nem se preocupando, mas sim furioso:

- O que vem depois? Um vigia de quarto? Cárcere privado? Agressão?

- N-não é nada disso, é que...

- Quer saber, não me importa, vai lá, pode ir, VOCÊ NÃO QUER SER VISTO COMIGO!

Sua mudança de tom só piorou a situação, e logo não vi outra alternativa senão deixar o refeitório às pressas, pensando se havia realmente tomado a decisão certa ao deixá-lo lá.
Eu seguia pelo corredor, fazendo o caminho de volta ao 107, ainda levaria algumas horas até o reencontro com o Tomás, e enquanto eu voltava ao dormitório, ponderava alguma forma de tentar convencê-lo a revogar sua ordem, e para que isso funcionasse, eu estava disposto até mesmo a contar sobre o envolvimento do Pierre nisso tudo, mas eis que meu raciocínio foi cortado repentinamente, no momento em que me deparei com um garoto estranho, que trazia em mãos algumas caixas e uma mochila nas costas, tinha um grande porte físico e parecia estagnado à frente do dormitório, logo recobrei a memória, o substituto de quarto, como eu havia esquecido?!

Me aproximei meio que ligeiramente, tomando a frente, suas bochechas eram protuberantes e algumas sardas lhe salpicavam a região nasal, eu já o vira antes nos treinos de futebol, embora ele quase nunca entrasse em campo nas partidas:

- Iai, é aqui o 107?!

- Sim. - Respondi, como se isso não fosse óbvio:

- Sou B...

- B?

Ele travou, como se tentando inventar um novo nome para si:

- Boca, pode me chamar de boca, eu vim pra substituir o outro carinha.

- Boca, pode me chamar de boca, eu vim pra substituir o outro carinha

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O Capítulo do Pedro (Spin-off Alojamento dos Héteros)Onde histórias criam vida. Descubra agora