Capítulo 33 | ANDANDO NA LINHA

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- Se te entendo, posso amar-te verdadeiramente.

- Não é por que você perdeu duas aulas hoje que precisa entrar a noite com a cara enfiada nos livros

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- Não é por que você perdeu duas aulas hoje que precisa entrar a noite com a cara enfiada nos livros. – Boca dispara enquanto move a cabeça negativamente, recusando-se a desgrudar os olhos da TV e direcioná-los a mim. – A propósito, parabéns pelo retorno.

Sei que ele está falando de mim e do Tómas, e estou a um passo de fazer minha indagação quando ele prossegue:

- Eu estive com ele depois do almoço, e foi só os caras saírem da mesa para que me encarregasse de voltar a te espiar. Ou seja, voltar a ser os seus olhos e ouvidos aqui no 107.

Deixo os livros e as anotações de lado por um instante:

- V-você não precisa fazer isso. – Declaro, mostrado minha clara aversão a ideia. Ele ri, um riso irônico e debochado, o semblante desdenhoso e a testa franzida:

- Que opção eu tenho afinal? – faz sua retórica, recostando-se no sofá acolchoado e mordiscando o frango empanado enquanto assiste. – Então acho bom você começar a andar na linha...

- Você não é como eles. – Afirmo impulsivamente, e agora estamos nos entreolhando, suas sobrancelhas arqueadas enquanto sua face parece analisar minuciosamente a minha sentença. – Eu posso ver, seja pelos corredores, no refeitório ou nos treinos, você está entre eles, gozando de todos os benefícios que o Tómas pode lhe proporcionar, mas você não é parte ativa, e qualquer um que olhe logo consegue perceber que o único modo de fazer com que cometa algo ruim é sendo pressionado a isso. Cai na real, Boca, você é apenas um deslocado, se forçando a caber num espaço que jamais será o seu, cortando suas bordas para se encaixar no quebra-cabeças tortuoso do Tómas, e tudo isso porquê resolveu acreditar que não é autossuficiente, que jamais conseguirá algo sem ter que fazer uns mal feitos em troca, vê-lo fazendo esse caminho desperta em mim o pior dos sentimentos em relação a você; pena.

Ele ouve a tudo enquanto falo, e deixa o frango empanado de lado assim que termino, quase como se seu apetite tivesse ido embora subitamente, seus olhos são vivos e indistintos, mas consigo ver que o meu julgamento lhe causou alguma espécie de ressentimento, do qual ele se esforça para esconder, mas infelizmente não obtém muito sucesso:

- Você não tem moral para me dizer essas coisas! – rosna. – Não quando é você quem rasteja até o Tómas num estalar de dedos, pronto para chupar as suas bolas tirá-lo do cil.

Estou boquiaberto, imóvel, sem fala ou ação.

- A verdade é que você precisa me dizer essas coisas pra aliviar o peso da sua própria culpa, porquê no fundo, ou talvez nem tão fundo assim, você saiba que é tão parte disso quanto qualquer um de nós, que se deitar com ele ás escondidas te torna exatamente o tipo de pessoa que você faz questão de apedrejar, sabe, você devia por um espelho a sua frente enquanto vomita essas besteiras, talvez assim começasse a entender que aqui somos todos farinha de um mesmíssimo saco.

Suas palavras incomodam, são lâminas afiadas me dilacerando o peito e causando uma agonia visível, ele não faz questão em prosseguir com a conversa depois disso, e estou tão atordoado com tudo o que foi dito que logo me pego pulando da cama e saindo dormitório afora. Eu preciso respirar, recobrar o fôlego, aceitar o peso das escolhas que fiz e...

Esbarro.

- Opa! Devagar aí! – Pierre exclama, rindo da situação até notar o meu semblante abatido, e então assume uma feição mais séria. – O que tá pegando? – questiona, o cenho franzido.

Sei que isso não pode acontecer, sei das proibições impostas pelo Tómas, mas também sei que preciso disso. Se é para ser feita uma escolha, que antes eu possa me desfazer da outra parte adequadamente:

- Precisamos conversar, e preciso que você seja inteligente para ouvir o que tenho a dizer e aceitar as minhas escolhas, ainda que isso contrarie a sua filosofia maluca e o seu jeito inusitado de lidar com as coisas.

Ele hesita por um instante, coçando a nuca, perdido, mas então assente, indicando o extremo do corredor que nos leva para a área externa:

- Tá legal, vem comigo, ainda temos alguns minutos antes do toque de recolher.

Respiro fundo e sigo em seu encalço, seguindo-o até o pátio e passando pelos jardins, se precipitando por entre as moitas e árvores, refazendo todo o caminho desde o fatídico encontro com o Tómas. Logo chegamos a uma clareira, um pequeno pedaço de terra onde os galhos retorcidos dão trégua e se pode ver parte da extensão do céu noturno e enluarado que nos banha com sua luz fraca, o Pierre avança por entre duas árvores, retornado com um pedaço de tronco que nos serve como um assento perfeito, ele arrasta a tora até encontrar o melhor lugar e nos sentamos, contemplando a noite fria e incisiva que nos espreita com ventos uivantes:

- Então, o que você tem pra me dizer?

Por um tempo, só o que se ouvem são os ruídos ensurdecedores dos insetos, até que eu finalmente crio coragem e declaro:

- Nos não podemos mais nos falar. Nunca mais.

 Nunca mais

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