Capítulo 3 | SEGREDOS DE ARMÁRIO

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- Existe um nome dado ao que sentimos após horas perdidas vasculhando perfis de pessoas movidas pelo tesão nos aplicativos de relacionamento; se chama vazio.

Dessa vez eu ignoro o procedimento padrão das "balançadas" e simplesmente guardo tudo cueca adentro, subindo a calça às pressas e sem se importar com o que irá gotejar depois

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Dessa vez eu ignoro o procedimento padrão das "balançadas" e simplesmente guardo tudo cueca adentro, subindo a calça às pressas e sem se importar com o que irá gotejar depois. Nada mais importa além da correspondência que está bem diante de mim, e meu primeiro impulso é de ler e reler a mensagem, como se para evitar que qualquer detalhe passe despercebido. Mas no momento seguinte eu sinto uma ponta de receio, que invade meu consciente e me alerta para o caso de tudo isso não passar de uma "contribuição hétero sem propósito", é assim que eu quase deixo tudo para trás e sigo como se nada tivesse acontecido, mas diante da porta da cabine, com a mão pousada na tranca e prestes a sair, sou tomado por um impulso ainda maior e repentino que me faz voltar lá e deixar uma última mensagem, desafiando a autenticidade do correspondente misterioso, ela diz:

*Não se brinca com a carência de um gay solitário, é imperdoável*

...

Eu adoraria ter dito que tive o retorno naquele mesmo dia, mas após dezenas de vezes voltando lá (ainda que sem vontade de fazer o número 1 ou 2), já havia de fato perdido as esperanças e naquela noite fui dormir disposto a deixar aquilo tudo de lado. Mas eis que no dia seguinte, entre a primeira e a segunda aula, naquela que seria a última e definitiva olhada, lá estava minha resposta, bem diante dos meus olhos em letras meio desleixadas escritas à caneta:

*Vai cair de boca ou não?*

Houve uma onda de entusiasmo nesse instante, e eu a senti percorrer todo o meu corpo, junto a confirmação de que eu havia de fato encontrado um correspondente anônimo, confesso que a partir dali ignorei todo e qualquer negativismo sobre o propósito da outra pessoa, e as hipóteses só começaram a crescer em minha mente, eram tantos os pensamentos que por um momento quase esqueci da minha resposta, eu tirei a canetinha do bolso e mordisquei sua outra extremidade enquanto ponderava o que viria à seguir, por fim registrei:

*O sim você já tem, agora só faltam o lugar e a hora.*

...

Devo admitir que eu não esperava que a resposta demoraria tanto quanto da vez anterior, mas de algum modo, pelas quase 22 horas que se seguiram, acabei ocupado demais e me revezando entre explodir numa felicidade contida internamente e cogitar possibilidades sobre a identidade do tal garoto, a coisa estava ficando tão séria que sem mesmo perceber comecei a andar pelos corredores olhando aos cantos numa busca discreta, atento a quem quer que fosse, em busca de algum sinal que pusesse em evidência o meu correspondente, não tendo muito sucesso (como era de se imaginar), pela infinidade de garotos com que meus caminhos se cruzaram, acabei por optar o plano B, que basicamente consistia em ir até o banheiro e montar guardaria lá, para ter noção de quem andava utilizando a cabine quatro (e desse modo prossegui).
No começo foi tranquilo como uma simples ida ao banheiro, me dirigi até a cabine três e sentei na tampa do vaso fechado, deixando a porta à minha frente entreaberta para poder espionar, e como era certo, os garotos que entravam (sempre apertados demais), acabavam optando pelas primeiras cabines ou até mesmo o mictório, permaneci lá por uns minutos, e não estava tendo muito sucesso.
Quando o primeiro garoto entrou lá, se tratava do Michael, que fazia aula de cálculo comigo e tinha uma pegada nerd tímido atraente, mas logo percebi que não era ele quem eu tava procurando, isso porque o único motivo pelo qual ele utilizou a cabine quatro, foi porque todas as outras estavam ocupadas e não havia espaço no mictório, fiquei um pouco triste, pois ele era uma opção bem considerável.

Depois disso vieram mais; alguns conhecidos, outros completos estranhos, opções consideráveis, e totalmente descartáveis também, a grande maioria havia entrado na cabine quatro por falta de alternativa, outros só pareciam ter entrado lá para fazer o necessário mesmo, e aquela altura eu já estava ficando tão atordoado quanto o resultado pela minha busca anterior (sem contar a aula de Biologia que havia perdido), e estava à poucos passos de deixar a cabine onde estava quando vi o garoto dos meus sonhos entrando lá; com sua calça jeans meio surrada e sua camisa larga nuns dois números à mais que o seu usual, a mochila com vários desenhos aleatórios rabiscados à esmo e o tênis no estilo skateboard, todo um conjunto de atributos que estava sempre a arrancar suspiros de mim (e não foi diferente dessa vez).
Tomás havia entrado em disparada, e pelo pequeno instante em que o vi através da pequena abertura, consegui notar que estava tão desesperado por se livrar do peso da urina que já descia o zíper antes mesmo de chegar a cabine, eu permaneci lá enquanto ele estava, ouvi enquanto o jato desesperado se esvaía do seu corpo, e só quando ele deixou o banheiro que dei por finalizada minha busca, pelo modo como a coisa aconteceu na vez dele, sequer era uma alternativa a ser considerada, mas também não importava, já que dentre todos os garotos que haviam passado por lá, Tomás era o único pelo qual não nutria nenhuma espectativa, ainda que com toda a história do Bart, esse nunca seria o tipo de romance novelesco que um garoto como eu viveria. Se tratando do Tomás, já havia aceitado com resignação que estava condenado a admira-lo de longe e fantasiar milhões de futuros que nunca viriam a acontecer, enquanto ele gozava de uma vida audaciosa e cheia de emoções, cercado de parceiros como os lobos cercam o líder de uma matilha.

...

Vinte e duas horas depois (e já não era sem tempo), voltei lá e como dito antes, havia outra mensagem do garoto anônimo, a qual li tão rápido quanto alguem que avança até o celular quando estar por receber o retorno de uma mensagem daquela pessoa em especial, o escrito dessa vez era:

*Prossima sexta depois da dez H, vou tá no aguardo depois do Jardim, apareci lá.*

Outra vez levou um certo tempo até um pouco do entusiasmo passar e eu mandar para os ares o último resquício de incerteza, agora era tudo real e pra valer (ainda que de um modo meio inusitado), eu finalmente teria o meu primeiro encontro com um garoto, e se isso por si só não era motivo suficiente, adicione a essa conta o fato de eu sequer saber algo sobre ele, e chegará exatamente ao meu nível de nervosismo naquele instante.
Depois disso não consegui fazer nada além de rabiscar um coraçãozinho ❤ ao lado da sua mensagem e deixar a nossa "cabine de conversas secretas" com um riso de satisfação estampado no rosto, seriam dois longos dias até a sexta-feira, e só havia uma pessoa com a qual eu queria compartilhar o momento;

Bart.

Bart

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O Capítulo do Pedro (Spin-off Alojamento dos Héteros)Onde histórias criam vida. Descubra agora