Como gosto de sorvete de creme com cobertura de chocolate! Tem coisa melhor? É bom demais! Dei uma lambida em meu sorvete e meu pai sorriu. Ele passou os dedos em meu nariz.
— Minha doce Anne, até o seu nariz está chupando sorvete!
— Delícia que até o nariz deseja! — Pisquei para o meu pai.
— Sei! Você me disse que o Carlos Eduardo entrou na sala e...
— Carlos Eduardo? Não, pai, Hyuk! — Eu o corrigi. Na sala de TV daquela mansão, depois de abraçar o menino de olhinhos lindos (fiquei muito feliz por não ver mais tristeza em seu olhar), nós dois sentamos e assistimos ao desenho Scooby-Doo. Algum tempo depois, o senhor Hermes me chamou. Meu pai já estava me esperando. Fiquei com dó de deixar Hyuk. Se eu pudesse, o levaria para minha casa. Lá ele não seria humilhado, ninguém gritaria com ele. Lembro que me levantei do sofá, olhei para ele e disse:
— Tchau, Hyuk! Gostei muito de conhecer você — ele não respondeu nada. Pensei que não ouviria mais a sua voz, mas ao me aproximar da porta, ele perguntou:
— Qual é o seu nome?
— Anne — eu respondi sorrindo.
— O seu nome é lindo! — Ele sorriu também e eu saí.
— Ei, minha doce Anne está aqui? — Me assustei com a voz de meu pai. — Você chamou a minha atenção e depois ficou distraída.
— Ah, é verdade! Eu só disse o nome do menino. Pai, por que o chamam de Carlos Eduardo?
— Porque é o seu nome. Ele recebeu o mesmo nome de seu pai, mas também tem um nome coreano: Hyuk! Nome completo coreano é: Shin Min Hyuk.
— Shin? Então é o nome dele...
— Não, Anne! O sobrenome vem primeiro, é diferente do nosso.
— Ah, entendi. Depois perguntei sobre a mãe de Hyuk. Meu pai me informou que o nome coreano era Shin Hyomin e que aqui no Brasil era Clarisse. Os pais de Hyuk se conheceram no bairro do Bom Retiro. A família de Hyomin, ao chegar da Coréia, abriu uma confecção e quem fornecia os tecidos era uma das empresas dos pais do patrão de meu pai. O brasileiro e a jovem coreana se apaixonaram. Só depois fiquei sabendo que as famílias foram totalmente contra o relacionamento dos dois. O próprio Hyuk me contou. — Pai, como pode alguém gritar daquele jeito e falar aquelas coisas horríveis?
— Então você também escutou? Sinto muito, Anne, fui imprudente ao levá-la ali. O senhor Carlos Eduardo é muito exigente com o filho, infelizmente ele não tem nenhuma paciência! — Meu pai acariciou os meus cabelos. — O menino não deve saber o que é um momento de carinho com o seu pai. Ele é um bom menino, mas tem dificuldade para aprender. Não consegue ler e isso irrita muito o seu pai. Ele está em uma escola cara, mas mesmo assim...
— Vocês adultos acham que coisas caras resolvem tudo? Muitas vezes a pessoa só precisa de um pouco de carinho. Isso sim resolve! Um sorriso, um sorvete de creme com cobertura de chocolate... hum... também resolve e nem é caro! — Meu pai beijou a minha bochecha.
— Que menina sábia! Você só tem 11 anos? Tem certeza? — Voltamos para casa e, após o jantar, comecei a pensar em algo para ajudar Hyuk. Tive uma ideia. Conversei com meus pais.
— O quê? Anne, você quer ser a professora do filho do "general"? — Minha mãe ajeitou os óculos e riu. Ela usa óculos desde que era adolescente. Acho que ela fica muito charmosa e dá um ar de inteligência! Também quero usar, mas por enquanto não preciso. Minha mãe é uma jovem senhora muito linda. Ela tem os cabelos pretos e meu pai castanho claros. Eu peguei um pouco da cor de cada um. Sou uma menina de cabelos castanho. Eles são lisos como os de minha mãe. Estão um pouco abaixo dos ombros. Minha mãe cortou os dela há pouco tempo. Eles estão acima dos ombros. E os meus olhos cor de mel são iguais aos de minha mãe.
— Sim! Ele precisa de uma professora inteligente, paciente e carinhosa também. Não quero me gabar, mas sou tudo isso e muito mais! — Ao dizer isso eu estava com o nariz empinado.
— Uau, que confiança! — Meu pai deu uma gargalhada. — Viu isso, Rutinha? — Meu pai usou o diminutivo do nome de minha mãe.
— Olhe só para o nariz empinado! Então a senhorita é inteligente, paciente e carinhosa?
— E linda! — Completei. Meus pais riram.
— Muito bem, com um currículo assim como o "general" dirá não? — Meu pai ainda estava rindo, mas ficou sério de repente. — Ah, minha doce Anne, é um lindo gesto, mas o senhor Carlos Eduardo não permitiria. O filho já estuda...
— Eu sei, em uma escola cara! Pai, não vou cobrar nada. Ou melhor, só o esforço de meu aluno.
— Minha querida, você é uma preciosidade, é um tesouro, sabia?
— Então converse com o "general". Explique para ele. Com uma professora como eu, logo o Hyuk lerá tudo o que parecer em sua frente! — Eu disse com convicção.
— Silas, você sabe o que falam sobre Hyuk na escola? A professora dele... — Minha mãe quis saber mais algumas informações. Já disse que ela é uma excelente professora? Pedirei a ajuda dela, é lógico!
— O "general" — meu pai riu —, isso pega, viu? Qualquer dia desses eu o chamarei assim! Então... ele diz que o menino é preguiçoso e não quer nada com os estudos! Não sei se é a opinião dele ou ouviu isso da professora.
— Ele é uma criança! Como o "general" é radical! — Minha mãe reagiu com indignação. — Silas, pode ser que o menino tenha dislexia! — Ao ouvir aquela palavra nova, fiquei muito curiosa e quis saber o que era, minha mãe me explicou rapidamente. Ela disse que é uma dificuldade que algumas crianças têm para aprender a escrever, ler ou entender o que lê. Então o menino dos olhos lindos pode ter isso, logo pensei e falei para a minha mãe. — Sim, Anne, pode ser. Tratá-lo com grosseria não o ajudará.
— Rute, acho que o meu patrão não iria gostar de ouvir isso! Reconhecer que o filho tem algo assim deve ferir o seu orgulho. Deve ser mais fácil dizer que é preguiçoso — meu pai pegou uma maçã da fruteira e quase a mordeu, mas foi interrompido por minha mãe. Antes de comê-la, ele precisava lavá-la! Meu pai riu e foi até a cozinha. Estávamos na sala de jantar. Nossa pequena sala de jantar, mas era um lugar bem gostoso de ficar. Aconchegante. Bom, na época não seria uma palavra que usaria, mas estou escrevendo esta história muito tempo depois. Só para "matar" a sua curiosidade, neste exato momento observo um certo par de olhinhos lindos. Eles estão bem concentrados em uma leitura. Quando Hyuk pega um livro, esquece de tudo. Fica totalmente envolvido. Amo olhar para ele, simplesmente amo! Às vezes peço que leia para mim. Ele sorri e atende ao meu pedido. Como eu fugi da história agora, hein? Bom, eu me adiantei! Mas preciso voltar... Então, eu falava sobre a sala de jantar, nossa aconchegante sala de jantar... A mansão onde Hyuk morava era algo de se admirar, mas posso dizer com sinceridade que não me sentia bem ali. Depois daquele dia, voltei muitas vezes e sempre sentia algo estranho. Um dia até comentei com a minha mãe e ela respondeu que ali faltava paz e amor.
Após eu insistir e repetir várias vezes que minha mãe me ajudaria a ajudar o Hyuk (é, foi assim mesmo que falei!), meu pai concordou em pelo menos tentar. Ele me garantiu que, assim que aparecesse uma oportunidade, mencionaria a minha ideia ao "general". Foram duas longas semanas de espera, mas em uma sexta-feira o meu pai chegou com a novidade. Ele mesmo ficou surpreso com a resposta do patrão. Eu estava autorizada a visitar Hyuk duas vezes por semana. Nossas "aulas" seriam às terças e quintas, sempre das 14 h às 17 h. Fiquei muito animada, mas não surpresa. Meus pais me interrogaram.
— Como assim não ficou surpresa? Eu fiquei muito! — Minha mãe disse.
— E eu também! Tinha quase certeza de que ele diria não — foi a vez de meu pai.
— Eu tinha certeza de que diria sim, sabem por quê? Eu orei — dei um sorrisinho e pisquei. Meus pais me abraçaram.
— Uau, que menina de fé! — Meu pai beijou a minha bochecha.
— Que orgulho, filha! Você nos ensinou uma lição!
— O papai do céu sabe muito bem que quero ajudar aquele menino de olhinhos lindos, por isso atendeu o meu pedido — afirmei.
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Anne e Hyuk
EspiritualHyuk mora em uma mansão. É filho único de uma sul-coreana e um brasileiro. O pai é um empresário muito bem sucedido e implacável. Hyuk tem tudo o que o dinheiro pode comprar, mas não é feliz. É amado por sua mãe, mas não tem o amor de seu pai e n...