Capítulo 13: Extravasar

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Estávamos diante de um portão branco totalmente fechado. Era um pouco mais largo do que uma porta comum. Havia um interfone. Hyuk olhou para mim e levantou a mão em direção ao interfone. Hesitou por alguns segundos. Pensei em dizer que seria melhor voltar outro dia, mas antes que eu abrisse a minha boca, ele apertou o botão. Logo ouvimos uma voz rouca de homem. Hyuk falou algumas palavras em coreano. Aguardamos em silêncio. Quase cinco minutos depois, o portão foi aberto. Apareceu um homem alto, forte e com traços orientais. Deveria ter uns 50 anos. Hyuk inclinou a cabeça para cumprimentá-lo e em seguida iniciou uma conversa. Fiquei imaginando quem seria. Não era o avô. Muito novo. Seria um tio? O homem disse algumas palavras e em seguida fechou o portão. Olhei para Hyuk. Ele estava bem apreensivo.

- Hyuk... - ele fez sinal para eu esperar. Esperamos em silêncio. O homem não demorou para retornar. Ele olhou para mim por alguns segundos e depois começou a conversar com Hyuk. Desta vez foi mais rápido. Durou poucos segundos. Meu amigo não abriu a boca. Percebi que as palavras daquele homem o afetaram profundamente. O portão foi fechado. Fiquei sem saber o que fazer. Hyuk continuava parado, observando o portão branco. - Amigo, o que estamos esperando? Aparecerá mais alguém? O que ele disse? - Meu amigo meneou a cabeça e começou a andar em direção ao carro. Eu o segui. Ao se aproximar do carro, ele ainda olhou para o portão fechado. - Podemos ir? Ele assentiu. Entramos e antes que eu desse a partida, Hyuk começou a falar. Estava com raiva.

- Então é isso? Eles não têm um neto chamado Hyuk? Não? E quem sou eu? - As palavras saíram cheias de mágoa. - Então quem sou eu, hein? - Ele começou a falar várias palavras em coreano. Não sei se estava xingando, só sei que as palavras eram pronunciadas com raiva. Nem parecia o meu amigo!

- Hyuk, tente se acalmar, por favor! Essa raiva não lhe fará bem - eu acariciei o seu ombro.

- Fará bem sim! Não aguento mais ser ignorado! - Mais algumas palavras em coreano. Algumas? Muitas! Ele não parava mais de falar. Eu não sabia o que fazer. Resolvi deixá-lo extravasar toda a ira. Acho que ele precisava disso. Fiquei em silêncio. Decidi não dar a partida no carro com Hyuk tão alterado. Estávamos a poucos metros da casa dos avós de meu amigo. Após mais alguns segundos de palavras em coreano, ele parou e abaixou a cabeça, suspirou, em seguida levantou a cabeça e olhou para mim. - Podemos ir agora, Anne, perdoe-me, não queria que me visse assim. O que pensará de mim? Que sou um... desequilibrado?

- Não, Hyuk, penso que você está sofrendo, é só o que penso e gostaria de ajudá-lo, mas não sei como. Enquanto você desabafava, eu tentava me lembrar de algo da psicologia para amenizar a sua dor, eu recorri à minha fé, fiquei aqui orando por você... - Em seguida, eu fiz o que meu coração mandou. Eu o abracei e ele começou a chorar. Acredito que era o que ele precisava naquele momento.

- Podemos ir, eu estou... melhor - ele disse ao se afastar e enxugar as lágrimas com o dorso da mão. - Agora vai pensar que sou um bebê chorão! Bom, não é a primeira vez que presencia isso. Quando nos encontramos pela primeira vez, eu estava fazendo o quê? Chorando! - Ele deu um riso nervoso - Ah, que patético!

- Não fale assim! Sou sua amiga, não sou? - Ele assentiu. - E para que servem os amigos? Para emprestar o ombro quando necessário, enxugar nossas lágrimas, ouvir um monte de palavras que não compreende - agora ele riu - , para rir conosco, assistir a vários episódios de Scooby-Doo, chupar sorvete de creme com cobertura de chocolate e é claro, para encher a barriga de comida coreana! - Agora ele riu para valer mesmo. - Hyuk, você pode contar comigo, sempre! Quando precisar conversar, mesmo que seja em coreano, tudo bem, eu ouvirei, amo ouvi-lo falar, só espero que não seja com toda aquela ira, ? - Ele acariciou o meu rosto.

- Gomawo, Anne! - Franzi as sobrancelhas. Fiz algumas pesquisas na internet, mas na prática a coisa era mais complicada. - Eu agradeci. - Ele esclareceu. - Você pode dizer... kwenchana, que quer dizer, "tudo bem" ou anieyo, que quer dizer "não". Neste caso, é como se você quisesse dizer que... "não há necessidade de agradecer", "não foi nada", entendeu?

- Sim! Então fale novamente... Repita o agradecimento.

- Gomawo, Anne!

- Anieyo, Hyuk! - Joguei a minha mão no ar como se estivesse dizendo "não foi nada"! Ele riu e bateu palmas!

- Muito bom! - Agora ele ficou sério. - Anne, agradeço por tudo e, mais uma vez, peço que me perdoe por toda aquela ... cena de drama!

- Não faz bem guardar tudo aí dentro - apontei para o seu peito -, não sinta vergonha de ser... humano. Não se culpe. Você só não pode deixar que esses sentimentos o paralisem, entendeu? - Olhei para o portão branco antes de continuar, Hyuk acompanhou o meu olhar. - Hoje você tomou a iniciativa, mas infelizmente eles deixaram o orgulho prevalecer. Se soubessem o que estão perdendo! Ah, se soubessem! Estão perdendo a oportunidade de conviver com alguém maravilhoso. Amigo, o orgulho priva as pessoas, ele tem o poder de cegá-las. Em nome do orgulho, muitos dizem adeus à própria felicidade. Não permita que isso aconteça com você.

- Ah, minha professora, psicóloga e amiga! - Hyuk olhou para o portão novamente, em seguida deu de ombros e suspirou. - Podemos ir agora.

Liguei o som. Agnus Dei de Michael W.Smith começou a tocar. Amo esta canção, simplesmente amo! Meu amigo fechou os olhos e eu dei a partida no carro. Ficamos em silêncio, só apreciando a música. Hyuk só se manifestou quando iniciou uma nova. Ele pediu replay da música anterior. Eu o atendi.

- Linda música, Anne! - Ele disse após a terceira repetição.

- Sim, é uma das minhas favoritas! Ah, acho que gostará desta também - agora foi a vez de Draw me Close. -, é do mesmo cantor. - Parei em frente ao prédio onde Hyuk mora quando faltavam poucos minutos para as 23h. - Posso fazer uma pergunta? - Como ele assentiu... - O que significavam todas aquelas palavras que você disse ao entrar no carro? Não eram palavrões, eram? - Ele riu e meneou a cabeça.


- Não, mas eu não posso repeti-las, Anne.

- Por quê?

- Você gostaria que eu chorasse novamente? - Meneei a cabeça negativamente. - Então é isso. Chega de cenas dramáticas por hoje. Ele acariciou a minha mão, eu me aproximei e beijei a sua bochecha.

- É isso aí, eu sou mais atrevida! - Ele sorriu ruborizado e saiu do carro.



Anne e HyukOnde histórias criam vida. Descubra agora