Capítulo 16: Tempestade

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Acordei cedo, meus pais já estavam na cozinha conversando animadamente. Minha mãe preparava o café e meu pai retirava as xícaras do armário. Eu pedi a bênção e os beijei. Minha mãe me avisou que hoje eles não iriam à igreja porque visitariam uma amiga que está se recuperando de uma cirurgia. Como era um pouco distante, iriam logo após o café e só voltariam no final da tarde.

— Como neste final de semana Gabriel está aqui, você nem sentirá a nossa falta. Com certeza almoçarão em algum shopping, né? — Minha mãe perguntou, ou melhor, não foi bem uma pergunta, foi quase uma afirmação. Eu não quis preocupá-los, por isso não mencionei que não sabia se veria o meu namorado hoje.

Participei da escola bíblica e pretendia ficar para o culto da manhã, mas decidi ir embora. Talvez volte à tarde. Em nossa igreja, após uma hora de estudo bíblico, com cada faixa etária em uma sala, é realizado o culto da manhã. Gosto de participar neste horário, porque o outro culto inicia somente às 17h. Após o almoço, gosto de tirar uma soneca e depois estudar. É claro que minha rotina muda quando o meu namorado está aqui. Hoje, sinceramente, acho que ele não aparecerá. Avistei Carla, a prima de Gabriel, após a escola bíblica. Ela participa em minha classe também, mas hoje deve ter perdido a hora. Com certeza veio para o culto. Não tive a oportunidade de conversar com ela porque estava com uma turma. Achei melhor não me aproximar. Como meus pais não vieram e eu não tinha a certeza de que o meu namorado apareceria, vim com o meu carro. Cumprimentei alguns amigos e já estava a caminho do estacionamento quando Gabriel apareceu. Sorriu para mim. Ele tinha um sorriso arrebatador e sabia disso! Vestia calça jeans e camiseta preta.

— Oi, baixinha, será que posso fazer parte de seu dia? Você me perdoa?— Fez uma irresistível carinha de arrependido.

— Tudo bem, você pode fazer parte de meu dia! — Sorri para ele.

— Vim com os meus tios. A intenção era chegar mais cedo e participar da aula, mas acordamos tarde — explicou. — Eles participarão do culto, mas... eu gostaria de passar um tempo com você. Acho que precisamos disso, você não acha? Depois de ontem...

— É, tem razão, vamos para o carro? — Ele segurou o meu braço e depositou um selinho em meus lábios, mas assim que entramos no carro, ele me beijou para valer mesmo. Até precisei afastá-lo. — Ei, estamos no estacionamento.

— Ah, baixinha, estava com saudade! Nosso final de semana não foi nada legal e a culpa é toda minha. Fui um chato com o seu amigo japa de franjinha e depois com você também!

— Japa de franjinha, Gabriel? Já disse que o Hyuk não é...

— Ele não é japonês, você está certa, mas usa franjinha, você deveria dar uns toques... O cara é filho de magnata, deveria ser mais estiloso, não acha? Aquele cabelo em sua testa o faz ficar muito... infantil!

— Eu acho fofo!

— Gostaria que eu usasse o cabelo daquele jeito? Não gosta de meu topete cheio de estilo? — Passou delicadamente a mão em seu cabelo. Eu ri. — Sei que gosta! Baixinha, vamos sair daqui? — Dei a partida no carro. Gabriel sugeriu irmos ao shopping para a sessão de cinema que ficamos "devendo" ontem. Concordei. Andamos um pouco e entramos em uma loja. Gabriel gostou de uma camiseta. Pediu para que eu escolhesse uma também, mas não estava com vontade. Se eu soubesse que a minha simples falta de vontade me daria uma terrível dor de cabeça, teria escolhido algo! — Quer que escolha para você? — Respondi que não. — O que foi, baixinha, ainda está brava comigo?

— Não, só não estou com vontade de...

— Ah, baixinha, existe alguma mulher que não tenha vontade de comprar roupa? Existe, neste mundo, alguma mulher que não adore um cartão de crédito?— Não gostei do tom que usou e fiz questão de deixar isso claro.

— Gabriel, preste mais atenção na maneira que você fala. Isso não foi nada gentil!

— Não mesmo, só fiz um comentário inocente!

— Sei! Agora é que não quero nada mesmo! — Dei as costas para ele.

— Ei, tenho certeza de que se fosse o filhinho de papai você aceitaria, mas é lógico, né? Ele poderia levá-la para uma loja chique cheia de roupas de grife, não é, não? — Ai, como detestei aquele comentário!

— O que está acontecendo com você? — Eu o encarei, mas falei em voz baixa para não chamar a atenção das pessoas que estavam na loja. — Apareceu com aquele seu sorriso de conquistador, pediu desculpas, disse que desejava passar um tempo comigo e agora está agindo como um... idiota!

— Eu... eu... só queria dar um presente para você e fui esnobado!

— Foi esnobado? — Eu não estava acreditando na atitude de Gabriel. — Eu não vim até aqui pensando em comprar nada, só queria passar um tempo com o meu namorado. Horas agradáveis em um shopping... Era só nisso que eu estava pensando! Não o esnobei, só disse que não queria. Simples assim! — Olhei ao redor. — Você é que está fazendo uma tempestade em um copo d'água! É melhor sairmos daqui. Ele concordou. Desistiu de sua camiseta. Saímos da loja. Sinceramente, eu desejava ir embora e, de preferência, sozinha!

— Baixinha, me perdoe mais uma vez, está bem? Eu não sei o que deu em mim. Poxa, é tudo culpa daquele cara que resolveu aparecer do nada e...

— Culpa do Hyuk? Ah, Gabriel, como pode dizer isso? — Comecei a andar em direção à saída.

— O que está fazendo? Quer ir embora?

— Não está dando certo. Hoje será impossível nos entendermos. É melhor você almoçar com os seus tios e...

— É mesmo? E você? Vai almoçar com o japa de franjinha? É isso o que você pretendia desde o começo, não é? — As palavras saíam com rispidez e em um tom alto. Não estava acostumada com esse tipo de exposição. Andei mais rápido, mas ele me seguiu. Felizmente não abriu mais a boca até entrarmos no carro. — Anne, serei bem sincero com você... Quando me falava sobre aquele cara, eu o imaginava como um menino, uma criança — eu meneei a cabeça —, mas ele é... é... bem grandinho e você saiu com ele! — Ele pensou por alguns segundos. — Ah, e ele dormiu na sua casa e com o consentimento de seu pai! — Eu revirei os olhos. Que pesadelo!

— Não acredito nisso! Você está com ciúme do Hyuk?

— Ciúme? Não é isso! Estou é indignado! O seu pai deixou um cara que sumiu por cinco anos, poxa, ele sumiu e mesmo assim o seu pai permitiu que ele dormisse em sua casa! Cara, eu não consigo entender isso! — Gabriel mexia nos cabelos e olhava para todos os lados.

— O que está insinuando?

— Não sei! Vocês dois tiveram muito tempo juntos...

— Saia do carro! — Eu quase gritei.

— O quê?

— Saia do carro, agora! Não ouvirei mais nada!

— Anne, eu tenho o direito de saber o que  está acontecendo! Você e aquele filhinho de papai...

— Saia do carro! — Ele olhou para mim por mais alguns segundos e em seguida fez o que eu disse. Suspirei. Ah, meu Deus, preciso me acalmar. O que foi aquilo? Será que eu dei algum motivo? É claro que não! Contei para Gabriel o quanto fiquei feliz com o retorno de Hyuk e isso é natural. Ele é como um irmão para mim! Eu não dei motivo para desconfiança! Não escondi nada de meu namorado... Bom, só não contei sobre a situação com os avós. Achei que era algo muito íntimo. Liguei o som. Precisava me acalmar para dirigir com segurança. Em poucos segundos, encontrei a música certa: Praise You In This Storm de Casting Crowns. Sentia como se estivesse em uma tempestade. Neste momento, desejava ter um ombro para chorar. Ah, como eu necessitava! As lágrimas começaram a cair, sem se importarem com a ausência de um ombro amigo.

Anne e HyukOnde histórias criam vida. Descubra agora