Espelho de água.

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POV: Collin

Encostei a cabeça no vidro do carro enquanto Marcela dirigia pelas ruas desertas da cidade durante a madrugada. Agradeci, pela primeira vez, as inúmeras ligações de jornalistas tentando obter uma premissa do que tinha acontecido. Isso me permitia ter tempo para pensar no que lhe diria quando a hora chegasse. Deveria dizer que estava prestes a saltar de uma ponte e deixar que ela risse da piada irreverente? Deveria dizer que a história que ela havia criado era certa? Que havia saído do show com o intuito de terminar com tudo? Deveria contar a verdade? Deveria confiar na única pessoa que esteve ao meu lado depois de tudo? Ou deveria deixá-la pensar que aquela havia sido só mais uma noite qualquer?

Observei suas mãos firmes no volante e o pequeno aparelho em seu ouvido, que permitia que ela dirigisse e resolvesse aquele caos ao mesmo tempo. Sua voz era firme, não havia espaço para dúvidas em suas mentiras. Com quarenta e sete anos, Marcela havia estado ao meu lado desde que eu tinha oito e minha mãe decidiu que ser minha representante havia se convertido em uma tarefa difícil demais para que ela pudesse manejar sozinha. Ao parecer, ela havia percebido que ser mãe também era um papel difícil de desempenhar o que a levou a passar mais tempo mandando cartões postais de todos os lugares que meu dinheiro podia levá-la no mundo. Marcela, contudo, havia ficado. Ela era explosiva, irredutível e louca por negócios, mas ela havia ficado. Mesmo quando ninguém mais ficou.

— Não pense que vai escapar assim tão fácil. — Fitou-me pelo espelho do carro e esboçou um sorriso amargo. — Mas falaremos sobre isso depois.

Suspirei e coloquei o capuz sobre a cabeça fechando os olhos e deixando que minha cabeça finalmente explodisse. 

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Deixei o corpo cair sobre a cama e agradeci pelo silêncio confortável e pelo completo vazio que o apartamento abrigava. Vivia sozinho desde que minha mãe havia decidido passar mais tempo fora do país que dentro dele. Tinha dezesseis anos quando comprei meu primeiro apartamento. Um piso inteiro de frente para a Lagoa em um dos bairros mais caros do Rio de Janeiro. Tinha feito dinheiro suficiente para comprar muitos apartamentos como esse, mas mesmo assim ela não tinha ficado. Eu sabia o que ela estava tentando provar, mas não estava seguro de se algum dia ela pararia para pensar se tudo aquilo valia mesmo a pena. Ela queria mostrar para ele que sua vida não havia desmoronado depois que ele nos havia deixado. Ela queria mostrar para ele que ele era a pessoa que havia perdido e que se arrependeria por abandoná-la.

Eu não me importava com isso.

Eu só queria que ela estivesse ali e o odiava... Com a partida dele ela também havia ido embora e o tempo me fazia imaginar que ela jamais poderia voltar de verdade.

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Despertei-me com o estrondo de um trovão e a luminosidade de um raio que entrava pela cortina aberta da janela. Observei o céu coberto de nuvens lá fora e a neblina que parecia cobrir o mundo em uma espécie de universo paralelo e fitei o relógio. 5:30 da manhã. Não demoraria muito para que Marcela ligasse e a agenda do dia começasse a mover a minha vida dentro de seu curso novamente, como uma engrenagem enferrujada que se recusa a deixar de funcionar. Arrastei-me até o banheiro e lavei o rosto, abri a geladeira mecanicamente e me dei conta de que não tinha nada para comer.

Antes que eu desapareçaOnde histórias criam vida. Descubra agora