Dois lados

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                                                                     POV: Megan

Observamos atentos a TV sem sequer piscar enquanto nossas mãos iam do pote de pipoca em seu colo a boca. Senti um misto de tristeza e felicidade ao ver seu sorriso pela tela de vidro, mas tais sentimentos não me assustaram. Estava me acostumando a não procurar explicação para cada sentimento humano que começava a sentir desde a noite em que apareci na sua frente pela primeira vez. Havia aprendido que jamais poderia explicar o confuso que era simplesmente sentir.

— Então podemos esperar o próximo álbum logo me imagino! — A apresentadora fitou com um sorriso simpático os integrantes da Lyrics e seus olhos focaram em Lucas, que começou a responder sua pergunta.

Já faziam quatro dias desde que a Lyrics havia partido com Marcela em um tour fora do pais. Não era difícil vê-lo se o buscássemos. O rosto dos integrantes da banda estava em cada revista, programa de TV e paginas na internet. Mas não era a mesma coisa. Mesmo que escutasse sua voz pelo telefone todas as noites antes de dormir, mesmo que eu soubesse que em três dias ele estaria de volta.

Não pudemos conversar sobre o que havia acontecido no dia anterior a sua viagem. Quer dizer, mesmo que houvesse algo para conversar... Eu não estava exatamente segura sobre isso. Ainda sentia um frio desconcertante na boca do estomago ao pensar naquela tarde e cada vez que pensava sobre isso me parecia mais certo. Tampouco conversamos sobre o que faria a respeito do seu pai e sobre a ligação que recebemos da madrinha de Pedro, dizendo que o cuidaria e que o podíamos enviar para sua casa logo depois que as aulas terminassem em apenas dois meses.

Estava pensando em tudo isso enquanto sua voz ecoava ate mim através da TV, quando a campainha tocou e Pedro levantou-se caminhando ate a porta.

— Espera. — Disse pousando a mão sobre seu ombro. — Eu deveria checar quem é porque é isso que os adultos fazem.

Mostrou a língua pra mim e sorriu, voltando pro sofá junto ao seu pote de pipoca. Abri a porta ainda com um sorriso nos lábios, mas ele se desvaneceu em questão de segundos.

Parada a minha frente com os olhos injetados de cansaço e uma mala grande de viagem, Barbara Hill estava envolta em uma áurea negra a qual seu anjo podia apenas acercar-se. 

 — Você deve ser a Megan. — Fitou-me sem interesse e passou por mim como se eu não estivesse realmente ali. O som das rodinhas da sua mala arrastando-se pelo piso fez meu corpo estremecer.

Parou no meio da sala com seu salto agulha e seus olhos escuros encontraram finalmente o que estavam buscando. Pousou os olhos sobre Pedro, que a fitou confuso de volta sem entender quem ela era e por que o olhava assim, e um sorriso sarcástico surgiu em seus lábios.

— Então ele finalmente apareceu. — Constatou. — Depois de todos esses anos e acha que pode exigir qualquer tipo de ajuda do meu filho? — Fitou-me sem se importar se eu ia dizer algo ou não. — O mandarei de volta para onde veio. — Fitou mais uma vez o menino sentado a sua frente e sem dizer mais nada, caminhou em direção ao quarto de Collin, fechando a porta atras de si. 

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Barbara Hill não era uma mãe acolhedora. Contudo, ela não se dava conta disso. Seu desejo por satisfazer o vazio do fracasso de tudo o que havia desejado na vida, desde sua infância até seu casamento a levava a níveis extremos de solidão e egoísmo. Isso não queria dizer que não amasse seu único filho. Ela o amava, mas também não queria dizer que estaria disposta a ficar por mais tempo, abdicando do que a fazia feliz. Durante muito tempo, depois de descobrir que a única coisa que havia perdurado em seu casamento era também sua saída de emergência, ela apenas fez o impossível para certificar-se de que Collin brilhasse, e com isso sua luz a levaria onde ela queria estar também. Ela a levaria a todos os lugares do mundo.

Durante os três dias que se seguiram fui proibida de contar a Collin o que estava acontecendo. A senhora Hill queria fazer uma surpresa ao filho quando ele chegasse, embora estivesse mais empenhada em descobrir como se desfazer de Pedro rapidamente.

Durante todo esse tempo em que fui algo invisível ao lado de Collin, fui também alguém invisível para as pessoas que o rodeava. Sempre achei que uma pessoa poderia ser facilmente definida pela cor da sua áurea. Contudo, nunca pude entender sua mãe. Às vezes ela parecia com qualquer outra mãe no mundo, preocupada pelo filho. Alguém que poderia saber como ele estava somente por ter tido um sonho. Muitas vezes me peguei pensando que eles tinham esse tipo de conexão. Entretanto, outras vezes sua áurea era escura e sombria, exatamente como alguém que não se importa com nada mais que sua própria existência. Durante esses três dias a áurea de Barbara Hill tinha essa cor fosca e apagada. 

Abriu a porta do quarto e me fitou ébria, enquanto segurava um copo de vinho em uma das mãos. Seus olhos estreitaram-se quando pousaram sobre Pedro, adormecido em meus braços e ela fez um gesto para que eu a acompanhasse. Levantei-me com cuidado, fechando a porta atras de mim e seguindo seus passos cambaleantes pelo corredor.

Sentou-se em um dos bancos de frente para o balcão da cozinha e apoiou o copo, abrindo um sorriso torno em seus lábios vermelhos e apontando um dedo fino na minha direção.

— Você é realmente incrível. — Disse com a voz pastosa. — Quero dizer, tem quantos meses que se conheceram? Dois? E Collin já esta agindo como um idiota por causa de uma garota? — O som rouco do seu sorriso me fez recuar. — Eu realmente estou impressionada! Impressionada com você! O mais engraçado é que eu disse para ele sabe? Eu disse que não deveria te deixar ir... — Fitou-me com os olhos semicerrados. — Sera que fiz a coisa certa?

Levantou-se cambaleando até a garrafa de vinho e dirigiu-se novamente ao balcão.

— Sabe. — Continuou. — Aquele menino. — Apontou na direção do corredor que levava aos quartos. — Aquele menino é filho de outra mulher sabia? Uma mulher que roubou os anos do meu marido. Uma mulher que tirou de Collin a oportunidade de ter um pai e uma família. — Colocou mais vinho no copo e sorriu com sarcasmo. — Então por que o esta ajudando?

— A senhora não esta bem. Deveria descansar.

— Eu estou bem. — Levantou o copo na minha direção, a voz um pouco estridente. — Eu estou perfeita!

Suspirei pesadamente negando lentamente enquanto ela caminhava em direção a sala e ligava a TV, colocando em um canal de música. Cantarolou fora do ritmo enquanto balançava o corpo em movimentos desajustados pelo tapete da sala.

— Eu realmente acho...

— Shiiii — Levou o indicador aos lábios e deu uma volta completa sobre os pés. — Deixe-me escutar a música. — Fechou os olhos e caminhou na minha direção novamente, brigando com o equilíbrio. — Você deveria levar esse menino para longe de mim. — O sorriso desapareceu dos seus lábios e pude ver a raiva lucida brilhar dentro deles. — Deveria leva-lo para longe do meu filho! — Gritou jogando o copo no chão, fazendo com que o vinho contrastasse com o tom delicado de madeira do piso. Senti sua raiva, a frustração e o cansaço e segurei sua mão ajudando-a a caminhar ate o quarto de Collin enquanto sussurrava palavras desconexas no caminho.

Fechei a porta atras de mim e fitei a ferida latejante que o vidro havia aberto na minha perna. Molhei um pano e limpei o desastre que o vinho e o vidro haviam causado no piso enquanto sentia alguém me observando de perto.

Supliquei em silêncio que ele agüentasse um pouco mais. Não suportaria saber que o anjo que protegia a mãe de Collin havia decidido abandona-la também. 

Antes que eu desapareçaOnde histórias criam vida. Descubra agora