A chuva havia passado

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                                                                              POV: Collin 

Fitou-me envergonhado tragando as lágrimas quando a luz iluminou o quarto e seus olhos encontraram os meus. Seu pequeno corpo parecia ainda menor. Abraçado aos joelhos, tentando evitar deliberadamente encarar-me, limpou a garganta como se tivesse dez anos demais, e lutou por controlar o tremor infantil em sua voz.

— Desculpa. — Desviou os olhos dos meus e fitou a janela escura cujos vidros nos separava da tormenta lá fora. — Eu não quis incomodar vocês.

Permaneci imóvel por alguns segundos, sem saber se queria mesmo entrar ou não, mas um novo trovão soou lá fora, fazendo o corpo e ambos estremecer. Dei um passo adiante e fechei a porta atras de mim, caminhando lentamente até a cama, sem saber exatamente qual seria o próximo passo. Sentei-me na cadeira ao lado da cama e permanecemos em silêncio por algum tempo, escutando a chuva lá fora enquanto a noite seguia seu curso.

— Quando tinha a sua idade costumava pensar que um dia ficaria preso em uma tempestade como essa e que não seria capaz de sair jamais. 

Engoliu em seco, ainda fitando fixamente a janela do outro lado, apertando ainda mais os braços em volta dos joelhos flexionados sobre a cama.

— E como se livrou disso?

— Minha mãe costumava dizer que eu não deveria temer dias de tempestade. Que quando a tormenta fosse grande o suficiente para me assustar construiríamos uma arca exatamente como Noé havia feito, e começaríamos de novo porque a chuva não duraria para sempre.

— Onde ela está agora? — Seus olhos finalmente encontraram os meus e engoli em seco. Eu não sabia responder aquela pergunta e isso me descolocava. Não tinha certeza de onde exatamente ela estava agora.

— Eu não sei.

— Ela vai voltar?

— Um dia ela vai. 

Fitou o cobertor sobre seu corpo por alguns segundos em silêncio e suspirou, juntando toda a coragem que seus dez anos lhe permitiam.

— Sinto muito. — Fitei-o esperando que ele concluísse. Respirou fundo e voltou a me encarar. — Sei que não me queria aqui. Papai estava errado...

Senti o corpo gelar ao escuta-lo falar dele. Seus brilhantes olhos me examinaram e me deram tempo para assimilar que aquela conversa continuaria.

— Ele disse que você talvez fosse odiá-lo para toda a vida, mas que sem importar o que tinha acontecido é quanto ele tinha errado, éramos irmãos e família.

— Família... — Não pude evitar sorrir com sarcasmo diante daquela palavra. Quem ele havia sido para falar sobre família comigo quando havia desaparecido durante toda a minha vida?

— Eu sei... — Continuou. — Sei como se sente. Minha mãe jamais voltou. — Suspirou cansado e tirou as cobertas de cima de si, caminhando em direção a pequena mala de rodinha, tirando um pequeno caderninho de dentro dela. — Tome. — Me entregou o caderno e voltou a meter-se embaixo das cobertas virando-se para o lado da janela e dando-me as costas. — Estarei pronto as 7h, pode me chamar um táxi que me leve ate lá.

Abri o caderno e encontrei o endereço de sua madrinha. Alguém que vivia no interior do pais.

Levantei-me com o caderno na mão e fitei seu corpo pequeno sobre a cama. Sabia que seus olhos ainda estavam abertos de par em par, observando com desafio a tempestade escura la fora.

— O que aconteceu com seu rosto?

Moveu-se sutilmente e sua voz saiu quase como um sussurro. 

— Eu caí. — Respondeu dando a conversa por finalizada. 

Assenti apagando a luz e deixando a porta aberta.

Naquela noite, enquanto a tempestade seguia a noite lá fora, dormi com a porta aberta também. 

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Fitou-me com os olhos arregalados e sua mirada passou de mim a Megan com estranheza. Ela sorriu, encorajando-o a perguntar, mas seus lábios não puderam formular palavras.

— Você não deveria estar usando um uniforme? — Perguntei tentando controlar a sensação estranha que sentia ao ser observado.

— Eu.. — Balbuciou e engoliu em seco. — Eu achei que...

— Vai chegar atrasado e eu também. — Seus olhos arregalaram-se ainda mais e seu corpo começou a mover-se lentamente. Sem certeza alguma do que deveria fazer.

— Vamos Pedro. — Megan tomou sua mão caminhando com ele em direção ao quarto. — Collin vai te levar para a escola hoje. — Piscou para ele enquanto entravam no quarto juntos.

Suspirei fundo, deixando o nervosismo estranho que me havia invadido abandonar meu corpo enquanto deliberava uma outra vez se não estava cometendo a pior burrada da minha vida.

Não tive muito tempo para pensar sobre isso. Seus olhos expectantes voltaram a observar-me minutos depois. Megan sorriu quando meus olhos encontraram os seus e assentiu, enquanto Pedro ajeitava a mochila nas costas e trocava o peso do corpo de perna uma e outra vez, ansioso. 

Fitou os CD's no compartimento do carro em frente a ele no banco do carona e observou cada um deles enquanto cantarolava as músicas que tocava no rádio como se tivesse memorizado todas elas, independente do estilo. Não pude ignorar o quão aquela cena me remetia ao passado, quado mamãe costumava me levar para testes para propagandas e programas de TV e eu costumava me perder na letra das canções em seu velho carro.

Paramos em frente ao portão da escola minutos depois. Fitou por alguns segundos pela janela e pousou a mãos sobre a porta hesitando por alguns segundos.

— Obrigado. — Fitou-me e abriu um sorriso sincero. — Por me deixar ficar um pouco mais. — Abriu a porta e respirou fundo dando um passo decidido em direção ao portão, onde um grupo de garotos um pouco maior o fitavam.

Revirei os olhos quando a primeira piada maldosa e sem criatividade ecoou sobre o sinal da escola.

"Pessoal chegou o mentiroso! Como vai seu irmão imaginário hoje Pedro? Muitos shows em sua agenda de mentira?"

Liguei o carro e fechei os olhos, apertando o volante entre os dedos. Já podia escutar a voz de Marcela em minha cabeça.

"Tudo o que você faz tem repercussão estratosférica Collin! Tem que pensar antes de agir!"

Saí do carro e bati a porta atras de mim, parando a seu lado e tocando seu ombro.

— Toma. — Tirei dinheiro da carteira e o entreguei porque não sabia mais o que fazer. Uma pequena multidão começou a formar-se ao meu redor. Seus olhos me fitaram surpresos. — Esqueci de colocar algo para você lanchar então... Só...Compre alguma coisa.

O grupo de garotos que o havia estado insultando segundos antes afastou-se. Seus olhos fixos em mim como se eu fosse fruto de suas próprias imaginações. Pedro tomou o dinheiro da minha mão e assentiu sem conseguir formular palavra. A pequena multidão que havia se formado ao meu redor cresceu em apenas um minuto e alguns estudantes empurravam cadernos na minha direção enquanto outros tiravam o celular do bolso para gravar vídeos que postariam em suas redes sociais segundos depois para que Marcela pudesse infartar.

— Te vejo na saída. 

Assentiu enquanto um sorriso abria-se em seus lábios e caminhou lentamente pelo corredor de entrada, onde a zeladora já havia aparecido tentando entender o motivo da desordem.

Entrei no carro trinta minutos depois, quando a zeladora pode finalmente colocar ordem e fazer todo mundo entrar na escola, fechando os portões atras de si.

Cheguei atrasado no ensaio, mas ainda não precisávamos de uma arca.

A chuva havia passado.

Antes que eu desapareçaOnde histórias criam vida. Descubra agora