Um jantar no sábado

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Enfrentei as gotas geladas da chuva e o vento gelido batendo em meu peito. August sorriu ao me ver, puxando-me para um abraço apertado, antes de subirmos na Hayabusa GSX1300RA prateada. A velocidade aumentava gradativamente, trazendo junto a si, o perigo de um acidente. Entre temer e degustar – saboreei a emoção do perigo, novamente.

Emma Swan. Paraisópolis.

A chuva havia parado. O meu coração afagou-se em meu peito, comprovando-me que era bom estar de volta. Na verdade, reafirmando que eu não deveria  ter partido. Sorri largamente assim que desci da moto, segurando o capacete apenas com a minha destra. Alguns garotos  me comprimentaram com acenos despojados. Esse era o meu mundo, e não onde a intimidade inexistente forçava-me a beijar rostos estranhos e apertar mãos delicadas, sem nenhum mísero calo. 

Mordi o canto inferior de meus lábios,  buscando aliviar as emoções afloradas em meu corpo. August apoiou-se em meu ombro com uma de suas mãos, apertando levemente na região. 

Paraisópolis não é a mesma coisa sem você. - comentou sincero, dando-me um sorriso largo, mostrando os seus dentes alinhados – uma presa de ouro. O seu gorro, a roupa larga, o relógio de prata e as tatuagens espalhadas pelo corpo era para "padroniza-lo" no estilo "malandro" e mascarar o seu lado "sensível".

Confessa logo que você não se aguentava de saudades minhas, mano! - o provoco. Adquiro como resposta uma revirada de olhos e um "bufar irritado". Ele odiava ter a sua fragilidade exposta, mesmo que fosse da forma mais simples possível. Antes que eu pudesse continuar com as provocações, ele se afasta, entrando na minha antiga sala. 

Do topo, observo cada canto do morro. Às casas antigas, os sobrados, os bares. Às crianças correndo, jogando futebol, soltando pipa na laje. Algumas garotas tomando sol, usando a fita isolante como biquíni, acenando para os conhecidos. Dona Josefa correndo atrás do seu Luiz com uma vassoura, acusando-o de estar secando as bundas alheias. 

É, tem coisas que nunca mudam. eu digo para a velha, que para alguns minutos para respirar, perdendo o marido de vista. - Bom dia dona Josefa, ele entrou na casa do seu Juca. ajudo-a a continuar a sua busca. Tentando recuperar o fôlego, ela me sorri e agradece, seguindo para a direção indicada. 

A música alta do bar de esquina. Às mesas posta na avenida. Às pessoas conversando alto sobre o dia tedioso e cansativo que tiveram.  O sino da escola soando para que as crianças sintam-se livres. 

Desprendo-me dali, seguindo para a mesma direção que o meu amigo. 

A pintura fosca num tom escuro, o piso de madeira, a cadeira giratória em cor preta, a mesa de vidro, o pequeno baú posicionado ao lado da mesma, um quadro tamanho médio com uma foto minha e de Lili – escondendo o nosso cofre. Brega. Mas ninguém ousa se quer passar da porta, sem autorização. Não há motivos para temer futuras complicações. Outro motivo para isso, é saber que ali só fica alguns quilates de ouro, em forma de correntes, relógios, pulseiras. 

Aceitei o cigarro mentolado oferecido pela morena, levando-o até os meus lábios. Sorrio ao ouvir os "boas-vindas" vindo de sua parte. Jogo-me na cadeira almofadada, girando-a uma vez. 

Como é bom estar de volta ao trabalho. - Digo após dar uma tragada no cigarro e descarta-lo no cinzerio prateado, soltando a fumaça pelo ar, vendo-a se desfazer, como se fosse um nada. 

Tome. - Lili jogou sobre a mesa um calibri 38, fazendo-me recordar qual é a parte ruim de comandar uma favela. Neste momento, busco olha-la de forma aprofundada, notando algumas novas tatuagens em seu braço esquerdo, a palavra "Deus" nos dedos de sua destra e, no pulso, "foco e fé". - Mas creio que não será preciso utiliza-lo. - ela tenta suavizar ao se refirir sobre o revólver. 

A namorada do meu primoOnde histórias criam vida. Descubra agora