Suprir a dor

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Pov Emma

Dizem que a vida nada mais é do que um dia após o outro, uma repetição com figuras novas e sonhos velhos. Hoje compreendo que isto significa o anseio que temos pela morte. É como se a nossa alma estivesse prestes a pular de um precipício para ir direto para o inferno, sem receios. O diabo já não é mais uma ameaça desde o primeiro tiro que fui obrigada a dar. A vida me ensinou que não há espaço para remorsos quando a única missão é sobreviver.

As lembranças me soam como uma dose de encorajamento para que possamos nos reerguer, por mais que isso não seja possível. Tais pensamentos são mesquinhos e inválidos quando o assunto é o ego humano. Ninguém se vê como incapaz, no máximo se nega a escutar o grito de sua alma suja. Eu estou aqui, agora, mas não para sempre. A cachaça me faz companhia e me força o vômito. É um misto de "Eu sou um bosta", com, "eu sou foda". Tudo posso naquele que me fortalece, e quem me fortalece sou eu.

Um banho gelado. Uma sensação de fraqueza. A raiva tomando conta do meu ser. Uma vontade de socar a parede até ás minhas mãos sangrarem. O desejo de me afogar naquele fio de água sabendo que tal coisa é simplesmente impossível. Os meus olhos ardendo. Os meus lábios machucados. E o meu corpo cedendo. A minha cabeça dói. A minha alma dói. Ser eu, dói. Anseio por mais vômitos. Eu não quero mais me sentir assim. Todo dia é um novo fim. Me sinto esgotada, destruída. Esta perda é o único peso o qual eu não consigo carregar.

Saio do banho tentando sustentar o meu corpo, a minha palidez.

***

Visto uma regata branca, uma calça de moletom e calço o Adidas preto. Detalhes indiferente.

***

- Nós vamos voltar para o Brasil. - eu digo. Lili demonstrou um certo espanto. - Temos negócios por lá.

- Mas e a sua filha, Emma? - Lili parecia não ter gostado nenhum pouco da decisão que tomei. -  Você se lembra qual o motivo de estarmos aqui? - ela disse, perplexa, e eu não respondi. - Você não pode desistir agora. Não seria justo. Nós nadamos tanto para morrermos na praia?

- A decisão já está tomada! Hoje mesmo nós voltamos. Não vou perder o meu império por uma ilusão. Você sabe o quão difícil é se manter no topo. Não seria justo eu continuar cavando a minha própria loucura.

- Você não pode desistir agora, talvez estejamos mais perto dela do que possamos imaginar. 

- A única coisa que eu não posso fazer é viver de "talvez". Eu sinto muito, mas para mim deu. Desculpa, mas eu cheguei no meu limite. 

A minha vontade era de gritar, chorar e até mesmo sair pelas ruas, sem rumo. Emma Swan estava desistindo do que mais ama. Seria mesmo possível encontrar um sentido na vida após tomar esta decisão? Eu não sou capaz de duvidar de mais nada. Agora é a hora de ser cem porcento racional. Foda-se as dores do coração. Foda-se as angustias. Foda-se tudo. 

Lili foi até a cristaleira, pegou um uísque dose anos e dois copos on The rock. 

- Sem gelo, para não sentir nada além do que o amargo da bebida. - ela disse assim que me serviu. 

- Obrigada. 

Ela virou o uísque como se fosse água; como se não houvesse um amanhã; como se aquilo significasse mais uma vez um outro começo. 

- Eu tenho medo do que você pode se tornar. 

- Pois não tenha. Quanto mais ruim eu for, mais dinheiro nós teremos. 

O meu celular tocou. Era tinker, como sempre. Digo a ela que em breve estarei de volta. Me agrada a sua empolgação.

Dias depois.

Ao retornar ao trabalho foi preciso fazer algumas mudanças visuais. As tatuagens passaram-se a ser um hobby. August e Lili me ajudaram a escolher desenhos para fechar os braços e as mãos.

Agora eu estava disposta a voltar para o corre. Fiz algumas cobranças. Rodei becos e vielas. Espanquei alguns filhos da puta; andei com o revólver na cintura e vigiei as quadras de futebol para que as crianças brincassem sem perigo. Aparentemente August tinha tomado conta do local sem colocar nada em risco, mas haviam casos que estavam marcados na minha agenda.

Os esquemas estavam funcionando a todo vapor. Até que não é difícil quando molha a mão de alguém e derruba sangue para os amigos.

Como já foi dito, a vida nada mais é do que um dia após o outro. E no meio dessa loucura alimentada por sangue frio, eu ainda anseio por Regina... Ainda acordo querendo ela do meu lado... Ainda penso em mandar mensagem... 

Sobre Alice? Prefiro não pensar mais nela. Por que? Como Daniel não quis colaborar com a verdade uma vez eu resolvi colocar um ponto final nisso. Eu não sou do tipo que dá uma segunda chance.  Não abriu a boca, ficou com ela fechada para sempre. 

***

Pov Zelena. 

Saber que Daniel havia morrido não me causou reações, não me fez sentir pena e muito menos desejar que ele descansasse em paz. Não que eu sinta raiva, só não sinto nada. Foi cruel a forma que o encontraram ele, e, pelo que as notícias dizem provavelmente foi cobrança de alguma divida com o tráfico. Logo eu percebi do que se tratava.

- E que ela não sinta remorso em momento algum de sua vida. - esse era o meu sincero desejo. Tal sentimento é o pior a ser carregado.

Mandei uma mensagem perguntando como ela estava, logo, Emma respondeu que não havia motivos para estar mal. Aquilo era a maior mentira a ser contada. Não falo por conta de ter matado, provavelmente ele não foi o primeiro e nem será o último, mas digo por conta de que não se pode negar que a perda de um filho é o maior motivo para não estar bem. Provavelmente Emma achava que somente o babaca poderia ajudá-la a encontrar a sua filha e por vingança decidiu dar um fim nele. É preciso suprir a nossa dor de alguma forma.

No meio do caos desta noite, resolvo beber até não saber que estou em minha própria casa. 

***

Quando percebo Regina já está em minha casa, me olhando assustada, segurando a vontade de chorar.

A namorada do meu primoOnde histórias criam vida. Descubra agora