Uma noite longa

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São Paulo. Ruby.

A lareira acesa. Duas xícaras de chocolate quente. O óculos posto um tanto longe de seus olhos – gesto típico de idosos. As janelas fechadas. Um  indies tocando em um volume não muito alto. A vovó sentada em sua cadeira de balanço e eu ali, jogada no sofá – "Toda largada" – como ela mesma costuma dizer.

Estranhei o celular tocando. Não pude atender de primeira. Minha coroa insistia em me contar aquela velha história de quando fora ao baile pela primeira vez. Até que eu achava engraçado, o problema era que eu sabia de cór e salteado todos os acontecidos daquele dia. 

Primeiro eu verifiquei se todos estavam em seus aposentos. Mamãe dormia serenamente nos braços de papai. Era o momento. Eu tremia de medo, mas a minha alma aventureira... 

- "Sempre gostou de um desafio!" - continuei a sua fala. Não consegui segurar o riso ao ver a sua expressão confusa. - Sim, a senhora já me contou essa história, vovó. - Beberiquei o chocolate quente. Tão doce. Se isto não é o sabor do paraíso, eu definitivamente não sei o que é. 

Ah. - ela disse um tanto sem graça. 

Mas não tem problema, eu gosto de ver os seus olhos brilhando ao dizer que dançou a noite toda com o vovô. Eu sei o quanto lhe faz bem se lembrar dele. - digo. Ela sorriu carinhosamente antes de ingerir a bebida tão bem preparada. Depois, continuou a me contar o seu passado.

Silêncio. Aproveitamos um pouco da energia nos trazida pela noite. Uma vibe gostosa. A chuva que começara a pouco não nos incomodou, pelo contrário, nos foi agradável. Eu gosto do barulho das águas caindo pela calha, batendo na janela... Fico imaginando ela se findando na terra... A natureza, natureza... 

Do nada, toda aquela euforia em meu ser se transformou em uma sensação estranha. Medo. Uma sensação semelhante ao medo. Mas de que? Não havia nada de errado. Eu estava bem... Vovó estava em perfeitas condições... A noite se arrasta maravilhosa em seus eventos naturais. Não posso controlar a minha feição – antes feliz, agora, deprimida sem motivo algum.

A tela do meu celular estava acesa. Não fui eu quem percebeu. A minha mente seguia pensando em tudo e em nada. O que me trouxe de volta para o real foi a voz de minha avó perguntando se eu não atenderia. Acenei que sim.

Alô, quem é? - nada era dito... O único som o qual escutava era um choro. A pessoa parecia querer se manifestar, mas a sua respiração estava pesada, faltava-lhe fôlego. - Alô? - insiti. 

Ru-by... - meu coração disparou ao escutar a voz de Zelena. O que havia acontecido? Aonde ela se encontrava? Tentei perguntar algo, mas fui interrompida. - Por favor, me diz onde você mora... Se eu for para casa, a chance de encontrar Regina lá é muito grande.

Como assim? O que aconteceu?perguntei preocupada. 

Eu descobri tudo. - Levantei-me do sofá num pulo.- Da-niel me contou tudo.puta que pariu. Agora entendo todo esse desespero. Essa maldição de passado. Essa droga de recordações. Por que foram a procura dela? Por que fazer alguém remoer algo que lhe destrói? 

Passei o meu endereço. Vovó se preocupou com o estado em que eu fiquei, então, lhe contei tudo. Não demorou muito para que a campanhia tocasse. Ao abrir a porta, me deparei com uma ruiva segurando o choro e com a roupa molhada pela chuva... 

Ao fundo, via os relâmpagos se perdendo no céu nada estrelado. Ninguém notaria. Ou talvez sim. É que muitas vezes tudo passa despercebido. Mas quando um anjo chora, as nuvens reagem junto. 

A namorada do meu primoOnde histórias criam vida. Descubra agora