Chegada na Polônia

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A Polônia é um lugar muito distinto de qualquer outro que eu já tinha visitado antes. Desde o primeiro olhar, exalava obscuridade, tristeza, sofrimento. Andar pelas ruas daquele país era algo a se temer, e eu sentia que qualquer passo errado poderia me destruir- no sentido mais literal do verbo.

Antes de ir para a Marcha, eu não via muita lógica na ida para Israel. Lá encontraria apenas curtição, e não me parecia justo poder desfrutar de algo tão positivo depois de passar tão perto da morte. Para mim, a Marcha era a Polônia. O sofrimento, os campos de concentração. Mas, mesmo assim, eu tinha medo. Choro com muita facilidade, e não fazia ideia de como sairia dessa viagem. Já tinha ouvido sobre as fortes emoções que o país causa, mas cada um reage de forma diferente. Então como me preparar? Como sair inteira?

Eu fui para lá sabendo que ¾ da minha família era polonesa, chamaram um dia aquele lugar de lar. Mas eu não sabia que uns não tinham conseguido escapar em época de guerra- seja pela 1ª ou 2ª. Não sabia que membros da minha família haviam sido assassinados pelas ruas, mandados para campos de concentração, pelo simples fato de serem judeus. Descobri isso durante a conexão do meu voo em Paris, e até agora não sei explicar como não rolaram lágrimas. Acho que o choque foi tão grande que impediu a queda delas. Eu já me sentia mal pensando na 2ª Guerra, mas envolvendo minha família de forma tão direta, as coisas mudaram um pouco. Me tocaram de uma forma muito profunda. Sempre tento aplicar a impessoalidade quando analiso situações deste tipo, mas, no fim, acaba sendo um pouco inevitável se inclinar de forma diferente quando se é incluído em algo tão violento.

Fico pensando no que foi ter aquele lugar como casa um dia. O que foi já ter passado por momentos felizes e tranquilos ali- desde idas ao parque até casamentos. O que foi conseguir já ter enxergado o sol e as cores quentes. Apesar de não ter achado o lugar exatamente feio, eu conseguia incorporar a energia negativa.

No primeiro dia de viagem, lembro que do ônibus avistei um homem pedalando sua bicicleta, com um certo ar sereno e confiante. Um alguém qualquer que provavelmente estava cuidando de sua saúde, por estar com vestes esportivas. E isso me fez pensar. Há anos, cuidar da saúde naquele lugar não era muito bem uma opção. Que sobrevivesse o mais capaz. Mas aí eu me dei conta. Os anos vão passando, e se torna impossível se ater apenas à tristeza. É preciso seguir em frente, e eles seguiram. Eles respiram cinzas e escuridão, mas já se acostumaram com isso. Já banalizaram muito possivelmente os campos, e hoje, bem... Hoje pedalam felizes sob um falso sol, que acabaram aprendendo a ver como o normal. Mas que triste deve ser não saber a diferença entre esta realidade fria e uma realidade comum.

Gritos pela liberdade: diário de bordo da Marcha da Vida de 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora