O que inicia

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É difícil descrever o que foi a Marcha da Vida, em parte porque muitas emoções estiveram por perto- umas boas, outras nem tanto assim- mas principalmente porque esta viagem me ajudou no meu processo de autodescoberta. Eu considero o ser humano um alguém muito complexo quando se trata de entender o que se passa na sua mente, o que lhe dá borboletas no estômago e anseio por viver o amanhã, ou, até mesmo, o que lhe tira o sono à noite e o faz se questionar sobre seu real propósito nesta imensidão de mundo- se é que existe um, e isto explica a minha dificuldade.

Eu sempre ouvi por aí que eu era uma menina muito sensível. Alguém que sente tudo na pele e tem altos níveis de empatia, e que não teme quando se trata de ser sincera com seus próprios sentimentos e emoções. Mas depois desses 15 dias, sinto que algo mudou. Apesar de eu já ter uma mínima visão sobre esta tal de sensibilidade, as coisas começaram a clarear. Eu não pensei que pudesse sofrer tanto. Mas eu posso. Eu não pensei que pudesse chorar tanto. Mas isto eu também posso. Eu costumava ter um pouco de ódio desta característica minha, mas, bem, por agora, posso dizer que isso são águas passadas. As fortes sensações que os campos de concentração da Polônia causaram em mim, acabaram por provar que o 'sentir demais' nem sempre é negativo. Pensemos bem. Eu estava em frente a uma das maiores atrocidades já cometidas pelo homem- seu total processo de destruição individual e desumanização- então sentir em excesso me fez um bem absurdo. O sentir, ao meu ver, até tem uma explicação- ele nos ajuda a ficar mais atentos ao que acontece por perto, ter uma visão um pouco mais crítica em frente aos fatos.

Sofrer na Polônia apenas me mostrou mais uma vez que eu sofro desta enorme vontade de curar o mundo. Segurar ele nos meus dois pequenos braços, e dizer com a voz mais mansa, porém firme, de que vai ficar tudo bem. Como se eu fosse capaz ou prestes a me tornar capaz de acabar com toda a maldade dele. Fazer florescer apenas as cores quentes, aquilo que traz alegria e serenidade. Eu queria poder apagar o passado. Ou pelo menos aquilo que falhou. Mas eu acredito numa certa continuidade dos fatos, e isto talvez pudesse afetar minha vida presente e futura, assim como as vidas de todos que cruzaram comigo- mesmo que tenha rolado apenas uma troca de olhares.

Enfim, este país frio e escuro me mostrou que apesar de este sentimento desnecessário perdurar, eu posso passar por cima dele. Eu posso provar que apesar de eu não poder alterar muito- ou até mesmo nada- eu posso trabalhar por um mundo melhor com minhas pequenas ações- semeando o bem ou passando meu conhecimento adiante, como testemunha.

Eu não trocaria estes dias por nada, porque eles me ensinaram bem o que é agir como humano. Me ensinaram a valorizar tudo aquilo que possuo e refletir sobre meus ideais e ações.

Israel realmente foi a concretização do subir forças agravado pelos nazistas, mas não foi só isso que senti ao pisar na Terrinha. Não foi um 'quero viver mais do que nunca agora que arrancaram minhas vestes, meu nome, meus gostos, minha identidade' e sim um 'Tentaram nos derrubar, tentaram erguer muros e deixar feridas incuráveis, mas sempre existiram fortes laços de união e companheirismo por perto. Vocês, nazistas, agiram sem dó, mas nós não podemos simplesmente aplaudir este ato e observar seu prosseguimento. Iremos lutar e sempre resistir, mas não porque vocês nos atacaram. E sim porque somos todos humanos, viemos parar na Terra da mesma maneira, temos todos direito à vida e não pensamos que seu pensamento frágil e doentio deva receber a oportunidade de destruir algo tão poderoso e bonito.' E deve ser exatamente por isso que me senti tão acolhida e feliz.

Eu vivi uma antítese. Fui da escuridão para a luz; do frio para o quente; do triste para o alegre; do morto para o vivo em questão de dias. A Marcha foi o meu maior e melhor choque de realidade. Me ensinou a ter esperança, e nunca desistir dos meus objetivos, não importa o que digam. É essencial remar contra a correnteza de vez em quando, prestar atenção e refletir sobre o conteúdo dos grandes discursos.

Marchar não foi um ato meu com o intuito de finalmente alcançar uma conexão mais forte com minha identidade judaica apenas, mas, sim, um ato meu para alcançar a minha plena essência e humanidade. Me colocar contra um dos maiores crimes já cometidos contra a espécie humana e dizer que estou pronta para repassar a história- nunca mais deixar algo do gênero acontecer.

É uma viagem que todos deveriam ter a chance de fazer. Porque ela prova, acima de tudo, que não devemos negar quem somos, e que sussurros pela liberdade são apenas sementes. Sementes essas que não apenas tendem, mas, de fato, crescem e florescem, até que não resta nada além da justiça feita e do bem alcançado.

Gritos pela liberdade: diário de bordo da Marcha da Vida de 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora