O que conclui

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Se me pedissem, neste exato momento em que escrevo, para contar sobre a Marcha da Vida, eu, sem dúvida, teria tudo na ponta da língua. Não se completaram nem 3 meses da nossa volta, então faz sentido não ter deletado a maior parte das experiências vividas. Eu comentaria alegremente sobre os menores detalhes, sobre o que foi passear por um campo de concentração, ou sobre o que foi enfim conhecer Israel. Mas confesso que não consigo deixar de me perguntar sobre o que ela representará daqui uns 20/30 anos. Eu tenho uma memória bastante sólida, mas entendo que o ser humano precisa deletar certas informações de seu cérebro para dar conta de tudo que lhe é jogado todos os dias. Entendo que, um dia, talvez seja difícil demais contar sobre sem o apoio desse diário de bordo. Hoje, porém, digo que ela me mudou em diversos sentidos, e com muita felicidade.

Talvez fique a ideia antitética que tanto a representou: caminhar da escuridão para a luz; do frio para o quente; da tristeza para a alegria e da agonia e ansiedade para a mais plena serenidade.

Talvez fique a imagem perturbadora de passear por Majdanek e perceber que o ser humano realmente pode ser uma pessoa terrível.

Talvez venha o alívio de pousar em Israel, o conforto de ter deixado tanta ruindade para trás.

Talvez venham primeiro os discursos improváveis que dei, que até tinham um certo padrão- comentar sobre antíteses, metáforas, comparações, adjetivos, substantivos, e essência humana. O da escola, para a reunião dos pais, parece um provável. Mas, quem sabe, o da Ari, sinagoga liberal? Melhor, da sinagoga de Ipanema, por quebrar tantos preceitos conservadores de que uma mulher não tem exatamente a capacidade para comandar algo tão grandioso?

Talvez o momento impulsivo de ter decidido tornar este diário tão pessoal em algo público, e a espera pelas reações.

Ou, talvez, nada disso importe. E venha apenas alguma cena engraçada. Mas, por agora, o que me vem à cabeça além dos acontecimentos e detalhes, é a felicidade de poder ter participado de uma viagem tão incrível.

Eu não consigo entender quando alguém diz que é contra a aparente lógica da Marcha da Vida, de precisar passar pela dor e pelo sofrimento para enfim encontrar uma conexão com seu judaísmo. Eu gosto de dizer que a Marcha foi o meu encontro comigo mesma, com toda a minha essência humana.

A verdade é que o mundo sofre, em diversos âmbitos. O antissemitismo não está morto. O racismo não está morto. A homofobia não está morta. Ainda existem guerras- assumidas ou não- e é importante aprender com o passado. A Marcha te ensina, antes de qualquer coisa, a ser humano. E a ter empatia e esperança. Basta estar de ouvidos e coração abertos. E é exatamente por isso que eu não a trocaria por nada.

Os anos chegam, fazem morada, e passam. Assim como as pessoas. Eu não tenho mesmo como prever o que acontecerá com relação à viagem, e muito menos com relação às pessoas que a fizeram comigo. Eu posso tentar me prender, mas a questão é que existem forças muito maiores que insistirão em me levar para outro lugar.

Vai ser difícil deixar de lado o que os discursos trouxeram. O que as pessoas trouxeram. E o que este livro trouxe. Eu não tenho como dizer se os anos apagarão a minha personalidade tão sonhadora, imaginativa e curiosa. Mas, prometo, que até o fim da minha existência, propagarei ao máximo o discurso da paz. Sacramentarei tudo da maneira mais honesta. Deixarei-me ser abraçada pelas brisas que trazem consigo positividades de todos os tipos.

A verdade é que chega a hora de dar adeus, queiramos nós ou não. A minha Marcha foi só mais uma, de muitas outras que ainda estão por vir. Ainda existirá a animação e a contagem regressiva para a próxima edição. Ainda existirá a cara de nojo ao ver que mais um ano se chega e a blusa verde e amarela continua igual- mal sabem os futuros grupos que terminarão apaixonados e não conseguirão desgrudá-las de seus corpos. Ainda existirá a vontade enorme de deixar lembranças e uma grande marca, assim como o frio na barriga antes da decolagem. Ainda existirão os conflitos ilógicos, mas saibam que nenhum deles jamais valerá mais do que a experiência por completo. Existirão aqueles sensíveis e sonhadores, que se ocuparão com a tarefa de propagar a mensagem do amor e da esperança; e aqueles que acharão a História triste, mas preferirão deixá-la no passado. Mas, enquanto houver veias pulsantes que anseiam por plantar sementes do bem, sinto que estaremos indo no caminho certo.

Um ciclo se fecha para que outro se inicie. Essa foi a minha Marcha. E que felicidade saber que não serei uma das últimas a poder desfrutar de uma experiência tão incrível, que me tirou o fôlego em tantos sentidos.

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Gritos pela liberdade: diário de bordo da Marcha da Vida de 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora