internato cap 39

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A culpa é minha

Théo

Estava sentado no chão em frente ao sofá com as mãos na cabeça tentando desesperadamente decidir qual era a pior parte daqueles últimos cinco minutos. Os tiros vindos do lado de fora do prédio, os policias caídos no chão, Izac entrando no apartamento e matando o porteiro ou ele apontando a arma para nós enquanto nos mandava sentar em frente ao sofá. Cada um desses momentos foi extremamente agoniante para mim. Podia ver o homem trajando uma camisa de botões branca com calça preta e sapatos cuidadosamente engraxados deitado no chão em uma poça de seu próprio sangue. Sangue esse que escorria e banhava pedaços de sua cabeça partida por uma bala que o atingiu a menos de dois metros de distância. Para o pobre coitado aquilo foi rápido e provavelmente indolor, mas para nós era um tormento. Sua camisa branca que provavelmente ele tomava bastante cuidado para não sujar e nem ficar amarelada, agora estava embebida de seu sangue. Aquele homem tinha por volta dos quarenta anos e com certeza tinha família e filhos que nunca mais veriam o pai. Filhos que teriam de se despedir de um caixão fechado, pois não havia mais rosto para se ver. Um homem com esperanças e sonhos que nunca realizaria. Um homem que não merecia morrer desta forma nas mãos de um louco. Um louco que sorriu quando o sangue do porteiro respingou em todo o canto inclusive em seu rosto.

Comecei a pensar em minha vida e nas coisas que deixaria para trás. Aquele homem com toda a certeza iria fazer o mesmo comigo e era apenas uma questão de tempo. Ele já tinha matado aquele homem a sangue frio o que impediria que ele fizesse o mesmo comigo? Minha vida foi um tormento desde e parecia uma brincadeira injusta acabar logo agora que tudo estava começando a melhorar. Quando minha mãe finalmente me dava carinho e atenção. Quando eu finalmente havia superado toda a inveja e ressentimento que tinha de meu irmão. Quando eu finalmente havia encontrado um verdadeiro amor que me valorizava. Em resumo. Quando eu estava finalmente sendo feliz pela primeira vez. E não era uma felicidade passageira daquelas que a gente sente ao ganhar aquele brinquedo que tanto deseja de natal. Era uma felicidade duradoura que me fazia acordar todas as manhãs e sorri mesmo em dias nublados que antes me deprimiam demais. Era um sorriso verdadeiro e não uma máscara sarcástica que usava para esconder minha tristeza. Esse Théo havia morrido para um novo poder nascer. Um Théo melhor. Um Théo que estaria morto a qualquer momento.

Pobre Fernanda. Não nos falamos com muita frequência, pois ela tem sua própria vida na faculdade e com o namorado, mas sempre que precisei dela ela me apoiou incondicionalmente. Ela estava do meu lado em muitos momentos em que meu pai fez questão de demonstrar a diferencia no tratamento entre Daniel e eu. Era quase sempre ela que o lembrava de minha existência mesmo que estivesse escrito em seu rosto que ele não gostava disso. Fernanda esteve do meu lado quando meu pai me rejeitou ao assumir que era gay. Me apoiou da várias vezes durante a faze complicada em que meu pai fazia questão de expor seu ódio por mim. Foi ela quem deu a cara a tapa e se opôs a mentira que minha mãe contou no hospital a respeito dos meus ferimentos. Foi ela quem virou as costas para ele primeiro.

Tinha também minha mãe. Não poderia dizer que ela foi a melhor mãe do mundo, mas também não tinha como dizer que ela era a pior. Claro que ela acobertou a nítida diferença que meu pai fazia entre os filhos, mas ela de certa forma enxergava aquilo e em determinados momentos ela tomava o lugar de Fernanda e lembrava ao meu pai de mim. Lembro que quando era criança, minha mãe e eu íamos ao mercado depois que meu pai recebia e ela sempre comprava algo que eu queria. Ela gostava de me fazer feliz naquele momento como se fosse uma espécie de compensação pela sua cegueira seletiva. Não era o ideal, mas naquele momento servia. Ela também não ficou do meu lado quando meu pai se voltou contra mim e mentiu sobre o que havia acontecido comigo. Ela mentiu várias vezes para acoberta-lo e isso me fez ter muita mágoa dela. Minha mãe nunca virou as costas para mim no sentido de dizer que eu não era mais seu filho, mas nunca me deu apoio ou uma palavra carinhosa depois da surra. Ela ajudou sim a fazer meus curativos e me levar no médico para acompanhar a minha recuperação, mas depois daquele dia em que o monstro me atacou, nunca mais ouvi um "eu te amo". Claro que depois que Daniel saiu do armário, minha mãe melhorou muito comigo. Não que hoje ela vá para a parada gay desfilar como mãe de dois homossexuais, mas hoje em dia ela consegue entender e respeitar. Me dá carinho e trata meu namorado muito bem assim como Bernardo. Hoje eu consigo ouvir dela um "eu te amo".

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