Capítulo 12

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Miguel

Levo uma vida normal, tenho restrições claro, mas hoje posso quase tudo. O principal é me alimentar corretamente, exercícios regulares, me cuidar bem de uma forma geral. Inicialmente eu não queria ortopedia, mas foi uma boa escolha pra evitar doenças contagiosas que chegam em uma emergência, uma simples gripe negligenciada pode ser fatal pra mim. Minha saída do hospital era algo certo, durou o bastante, mas depois de alguns anos estava ficando difícil manter minha mãe sob controle, hospital é um lugar cheio de doenças, mesmo pra mim, que tenho sempre muito cuidado, faço o que posso para prolongar minha vida, eu gosto muito dela.

Antes de descobrir a doença eu era um garoto inconsequente, em plena adolescência e queria descobrir o mundo. Garotas, festas e muita curtição, fui parado pelo meu coração. Aos 18 anos tudo começou a mudar, ficamos todos sem chão, eu não queria morrer, tinha sonhos, planos que queria concluir, minha mãe só chorava e o Be que me via como seu herói ficou muito abalado, por isso eu ainda tolero um pouco as invasões da família, mas as vezes eles passam dos limites, apenas Rebeca sabe lidar bem com isso.

Morar sozinho não é um luxo, é uma necessidade, as invasões estavam insustentáveis. Tentei aceitar por um tempo, minha mãe ainda me enxerga como o garoto que eu era antes da doença, eu madureci durante uma fase difícil, não imaginava que iria passar dos trinta. Hoje sou um homem como outro qualquer e que precisa ter privacidade, avisar onde estou e onde vou é tudo que posso fazer, ainda acho muito. Minha mãe é o amor da minha vida, mas eu precisava urgente de espaço, depois do transplante eu pensei que ela fosse diminuir os cuidados, ledo engano, um homem com mais de 24 anos sendo tratado como uma criança.

Tenho medo do que essas informações podem fazer com Elisa, quero tentar algo, já evoluímos muito durante a tarde de sábado, mas acho cedo pra tentar algo mais. Foi uma graça o ciúme infundado que sentiu, pensar que tinha alguém por ouvir minha mãe, foi engraçado esclarecer o mal entendido, mas me mostrou que minha mãe pode ser problema, toda essa preocupação pode sufocar Elisa, por isso decidi manter as coisas como estão, minha doce Lis precisa saber onde vai se enfiar antes de aceitar tentar. O mais louco é que eu faço planos sem saber se um dia terei uma chance com ela, não acho que vou ter, mas sonhar não custa caro, estar vivo e ter mais que vinte anos era só um sonho também, eis me aqui, com trinta e um e contando.

Desde o meu renascimento eu nunca mais senti medo de nada, enfrentei toda a recuperação de frente, vivi cada dia como se fosse o último, era sempre mais um dia com o novo coração, mas descobrir sentimentos por uma mulher tão perfeita me encheu de medo, medo de não ser bom o suficiente pra ela, medo da proteção exagerada da minha mãe minar as minhas chances, medo de não conseguir ajudá-la a superar as perdas que teve, medo de ser mais uma perda pra ela.

Quero filhos, uma casa com jardim, uma bola no quintal, e quero isso rápido, pode parecer egoísmo da minha parte, eu não sei por quanto tempo ainda vou durar, pode ser mais uns vinte anos, um pouco menos ou um pouco mais. Quero viver todas as experiencias possíveis, quero amar alguém e ser amado, viver plenamente cada um dos meus dias, deixar um legado na terra, por isso nunca me envolvi com garotas mais novas, essas querem descobrir o mundo, festas e diversão, e eu preciso de alguém que queira mais, que queira a vida que eu sonho em ter, temo que isso esteja fora dos planos dela e se estiver eu não vou saber o que fazer, abrir mão de um sonho ou de uma vida com ela?

O domingo passa sem que eu tenha outro contato com Elisa, falei apenas com minha família e neguei mais um convite pra sair com os amigos de Amélia, convite esse que eu tenho quase certeza que minha mãe a mandou fazer.

A segunda-feira passa lentamente e ainda não encontrei uma desculpa pra procurar Elisa, uma coisa é admitir que estou encantado por ela, outra bem diferente é ter coragem de dizer isso. Durante o sábado eu tentei dizer por várias vezes, quando acordei e vi aquele rosto de anjo, tranquila ao meu lado, suas mãos em meus cabelos. Como queria ter sentido tal carinho, saber que ela o fez enquanto eu dormia me deixa esperançoso, talvez ela goste um pouco de mim, talvez esteja disposta a lutar comigo.

Seguindo em Frente (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora