Capítulo 3

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Elisa

Eu não consigo me lembrar quando foi que dormi, mas me lembro perfeitamente da conversa constrangedora com Miguel. O que deu em mim? Me abrir dessa forma com um estranho.

Tento me levantar e meu corpo todo doí.

- Já vai passar meu bem.

Cláudia diz se levantando da poltrona e deixando um livro aberto de lado pra se sentar ao meu lado na cama.

- O que eu estou fazendo na sua casa?

- Você dormiu antes de eu chegar. Miguel te colocou no carro e aqui estamos. Eduardo ficou muito preocupado viu você chegando nos braços do Miguel.

- Parece que fui atropelada. Tudo dói.

Comento sorrindo pra amenizar o clima tenso que eu estava sentindo. Estou completamente dolorida, mas não quero dar mais preocupações pra ela. Não quero ser um fardo e sei que ela quer me dar bronca.

- Deve ser só um resfriado que logo passa, ou por você não comer direito. Dorme mais um pouquinho que vai ficar nova em folha. Seu padrinho está terminando o jantar pra você. Sabe como ele gosta quando fica aqui.

- Quero ir pra minha casa.

Ficar aqui pode atrapalhar seus planos. Eu jurei a mim mesma que não iria mais importuná-la com meus problemas. São duas pessoas incríveis, não merecem viver as voltas comigo.

- Tudo bem. Depois você vai, agora dorme mais um pouquinho; Eu te levo quando acordar.

- Eu não sou uma criança. Posso ficar sozinha. Estou bem e quero ir pra minha casa agora. Vou dormir assim que chegar em minha cama. Obrigada por cuidar de mim. Sabe que eu amo você, mas eu não preciso de ajuda agora. Estou bem.

- Teimosa como uma mula mesmo. Vem jantar que eu te levo.

Escutei ela resmungar que sou uma ingrata quando ia saindo do quarto, acho um exagero todo esse cuidado, sempre foi e agora se acha responsável por mim. Sei que é difícil pra ela, mas eu não preciso ser cuidada dessa forma o tempo todo. Acho que ela transferiu todo o carinho que tinha pela mamãe, pra mim. Isso as vezes me sufoca. Eu só quero acordar e dar bom dia aos meus pais. Esquecer todo esse pesadelo. É difícil aceitar que é real e nunca mais vou vê-los. É difícil pra Cláudia também. Elas eram as melhores amigas no mundo. Sempre as ouvia falando assim. Uma amizade linda. Sei que se fosse o contrário minha mãe cuidaria dos filhos da amiga, mas eu já atrapalhei demais. Foram noites e mais noites de ligações fora de hora por sentir meus medos. Edu me buscando em casa pra dormir aqui, noites em que chorava no colo deles. Ela acha que não tenho mais pesadelos. Na verdade o que eu não tenho mais é a coragem de continuar pedindo ajuda a ela. os pesadelos estão comigo sempre que durmo.

O caminho pra casa é feito em total silencio por respeito ao meu sono e meus pensamentos conturbados. Acho que ela sabe que esse é um dos dias ruins. O padrinho apenas nos fez companhia no jantar e me disse pra ligar se precisar, que confia em mim. Deu-me um abraço e foi pro quarto sem mais conversa. As vezes sinto que ele está triste. Tenho medo de estar atrapalhando seu casamento.

- Pronto, chegamos.

Cláudia me desperta dos meus pensamentos. Ela não está feliz por me deixar aqui.

- Obrigada. Fica tranquila que eu estou realmente bem.

- Me liga se precisar de mim. Se sua unha quebrar eu quero ser avisada imediatamente. Estou falando sério com você. Estou aqui pra qualquer coisa que precisar florzinha.

- Eu sei. Obrigada, mas não fica pensando só em mim. Eu vou tomar um banho e ir dormir. Vou ficar bem.

- É preocupação Lis. Sabe que eu te amo e gosto de cuidar de quem eu amo. Você parece que não liga nem um pouco pro seu bem-estar florzinha.

As palavras são amáveis, mas o tom é o mais serio possível.

- É um resfriadinho de nada. Você mesma disse. Vou dormir e amanhã nem vamos lembrar que tive febre. Não precisa se preocupar tanto.

- Boa noite e até amanhã querida.

- Obrigada por cuidar de mim. Tem sido uma amiga incrível. Por isso mamãe gostava tanto de você.

recebo seu abraço apertado e eu percebo como fica emocionada com minhas palavras.

Entro em casa e vou direto tomar um banho. Preciso relaxar pra conseguir dormir melhor. Eu estou bem. Não tem motivos pra ela se preocupar assim com um pouco de febre.

Depois de tomar banho e pentear meus longos e lisos cabelos pretos eu visto meu velho moletom e me deito. Fico ouvindo os barulhos da rua. A casa é muito silenciosa. Vazia. Esse vazio está me deixando maluca. Fico imaginando meus pais aqui. Mamãe na cozinha e papai no jardim. Todos juntos na mesa pra jantar. Meu irmãozinho que nem chegou a nascer, ele estaria enorme, acho que ia ser como o papai e me encher de beijos e abraços.

Lembro-me do que Miguel disse, que papai ficaria feliz de me ver seguir com os meus planos, e realizar meus sonhos. Finalmente pego no sono me lembrando do som de sua voz e suas palavras.

Acordo assustada pouco tempo depois. Eu tenho esses pesadelos estranhos. Nada que faça sentido ou tenha como explicar. É como estar com eles no carro e ver como tudo acontece. É difícil voltar a dormir e minha cabeça vai pra longe de mim. Longe desse tempo. Já passei muitas noites acordada pensando no passado, no futuro e tentando decidir o que é certo fazer agora, mas ainda assim é melhor que as noites dos pesadelos.

Papai tinha uma condição financeira muita boa. Me deixou bem. Não pago aluguel e tenho uma boa quantia no banco. Acho que isso ajudou pra eu me afundar em mim mesma. Não tinha muito em que pensar na época. Durante um ano eu apenas sobrevivi. Cláudia tentou de tudo pra me fazer reagir, mas eu não queria. Foi um ano bem complicado pra mim. Depois disso eu voltei a ver meus antigos amigos. Sair um pouco e tentar viver melhor, mas aos poucos eu percebi que nada faria a dor passar e fui me acostumando com ela.

Hoje posso dizer que estou bem. Tenho um emprego. Admito que eu sei a verdade. Claudia só queria que eu ficasse por perto pra manter sempre um olho em mim, mas ela me ajudou muito. Não posso reclamar. Mesmo não sendo da forma que eu gostaria, é bom saber que tem alguém por mim.

Levanto-me da cama e vou pra cozinha pegar água. Na volta passo em frente ao quarto dos meus pais. Nos dias como hoje eu sempre entro ali e me afogo nas lagrimas. Sei bem que em algum momento isso precisa parar. Já sou uma mulher. Tenho que superar a tristeza e seguir em frente. Manter apenas a saudade saudável. Não entro. Passo direto e vou pra minha cama. É meu primeiro passo pra superar. Não vou passar a noite toda chorando no quarto deles como uma garotinha assustada. Miguel tem razão. Papai gostaria de me ver bem e eu preciso tentar um pouco mais. Mesmo que eu não saiba por onde começar.  



Voltei com mais um, só posso agradecer as meninas lindas do Whatsapp.

Seguindo em Frente (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora