01.

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este capítulo foi revisado e editado.

Aquele pôr do sol poderia facilmente ser comparado com uma pintura formada de cores primárias e prédios modernos, quase conseguindo afastar os pensamentos de "que porra estou fazendo da minha vida?" que rondavam minha mente.

Paris é onde cresci; onde fui adotada e criada por Marjorie, este é lugar que chamava de lar. No entanto, aquilo não era o suficiente, não mais, após a morte da minha mãe, tudo que eu admirava perdeu parte do brilho. Aquele lugar se tornou, por mais incrível que pareça, monótono.

Os momentos bons foram quase apagados da minha memória durante o período do luto, só conseguia me ressentir pelas brigas intermináveis; por todas as palavras agressivas em momentos de impulso; por todas as lágrimas que a fiz derramar.

E era com tais pensamentos consumidos pela mágoa que continuava encarando o pôr do sol, aguardando o momento de desaparecer para o mais longe possível do tormento que já durava alguns anos, indo para Manhattan com objetivo de esquecer aquele sentimento que trazia um peso em meu peito.

Minha madrinha havia sido categórica quando me disse que fui convocada (e com "convocada" ela quis dizer que não tenho opção) até Manhattan por seu noivo, onde viveria com eles na Torre Vingadores por algum tempo - o argumento que ambos usaram foi a proximidade do casamento deles. Não pensei antes de aceitar a proposta, logo comecei a me preparar para a mudança.

Minha atenção foi desviada quando ouvi o som ruidoso do celular, a tela brilhando em uma ligação com o nome de Pierre Gachet - apelidado carinhosamente de advogado do diabo. E assim como a maioria das ligações que recebi, ignorei-o enquanto desligava o celular.

Pierre ligava ao menos duas vezes por semana, insistindo por uma conversa "amigável" para discutirmos sobre o futuro da empresa que leva o nome da família, mas era evidente que somente seguia ordens de sua madame.

Gosto de comparar Amélie (eu não a chamo de avó desde a infância) com um parasita, sugando suas energias até não sobrar nada. É cansativo lidar com ela, sempre tentando te manipular até você fazer exatamente o que ela deseja.

Ainda me lembro do medo que experimentava quando ela se aproximava; da vontade incessante de me provar melhor do que a pequena órfã que tanto despreza; de estar a altura do sobrenome que carregava. Amélie já provou milhares de vezes que não é um exemplo a ser seguido, mas ainda vejo revistas evidenciando o quão perfeita é (ou era) nossa família. Então, não importava o quão ruim é alguém, sempre haverá pessoas que irão tratá-las como um herói nacional, porque a verdade é simples: elas se veem nela.

Os humanos podem ser horríveis, matando, consumindo e destruindo por puro prazer pessoal. Sabendo disso, não é mais uma surpresa que nosso lindo planetinha azul não se importa com nenhum de nós, assim como não nos importamos com ele. O único objetivo humano é destruir para construir.

- O que você tanto pensa? - apoiada na parede ao lado da porta estava Pepper Potts, diretora executiva das Indústrias Stark, minha madrinha.

- Nada de interessante - a observei atentamente, respirando fundo até meu olhar encontrar com o dela. - Acho que só estou animada para a viagem. Sair do ninho.

- Não entendo como pode trocar essa visão por qualquer coisa - sentou-se ao meu lado, também contemplando o horizonte.

- Sou estranha, isso não deveria ser novidade - após alguns segundos de silêncio, decidi questioná-la sobre algo que me incomodava: - Tem certeza que Tony quer uma intrusa na Torre?

- Como assim?

- Não acha estranho receber uma convidada quando o casamento de vocês está tão próximo? Pepper, se você insistiu para que me aceitasse, eu...

- Sua presença foi uma sugestão dele, eu não tenho nada a ver com isso.

Mentira.

- Nós só conversamos duas vezes, considerando que era uma criança na ocasião, acho que seus critérios sobre mim são, no mínimo, nostálgicos.

- Óbvio que ele gostou de você, como a maioria das pessoas deve gostar.

Bajuladora.

Apesar dos elogios, não havia muitos motivos para gostar de mim. Acredite quando digo que depois de conviver tanto na mansão Beaumont, é difícil ser agradável.

Sempre fui mais reclusa que as outras crianças, gostava de ficar sozinha, nunca fui sociável. E durante a adolescência tudo conseguiu ficar pior.

- É tão difícil vê-la casada, ainda mais com seu ex chefe. Deve ter feito milagres para conquistá-lo desse jeito.

- Eu não fiz nada, às vezes, o amor aparece nos corações mais complicados - proferiu olhando com deboche para mim.

- De que livro de autoajuda tirou essa frase?

- Isso mesmo, continue ironizando vai chegar o dia em que vai se apaixonar e toda essa ironia se tornará uma realidade.

- En amour? Vous avez complètement tort, mon cher.

- Ah, por favor! Você tem vinte anos, Ravenna, está me dizendo que nunca se apaixonou?

- Nunca cheguei nem perto disso.

- Nem por aquela sua amiga italiana, uma tal de Castelli? - questionou me observando com incredulidade

- Antonella é somente uma amiga.

- Achei que tivessem alguma relação mais íntima...

- Namorei o irmão dela, Vittorio.

- E esse Vittorio, nunca se apaixonou por ele?

- Éramos mais amigos do que namorados.

- Por quê? - ela parece realmente descrente com a afirmação.

- Relacionamentos nunca deram muito certo pra mim - contei a ela. - A verdade é que todo esse "relacionamento" foi mais para o pai dele parar de encher o saco do que uma coisa que nós queríamos.

Isso é uma versão reduzida e simplificada da verdade.

O pai de Vittorio era um escroto, ele realmente fazia pressão para que o filho assumisse um relacionamento comigo por causa da minha família... No entanto, a contraparte da história é que minha avó contou para minha mãe que me viu com uma garota, e bom, Marjorie não aceitou muito bem. Depois de tantas brigas, agressões verbais, além de ameaças, a mansão Beaumont se tornou um campo de guerra. Tudo mudou quando assumi meu relacionamento com Vittorio, aquilo foi como uma vitória particular para minha família, obviamente fiquei magoada, mas percebi que elas não iriam mudar de opinião, então só segui minha vida como se não me importasse com o que pensavam sobre mim.

- Você só tentou uma vez, Ravenna. Deveria abrir caminhos para pessoas diferentes.

- Você enlouqueceu de vez. - caminhei de volta para dentro do apartamento, ouvindo os passos de Pepper me acompanhado.

- Não se faça de sonsa.

- Se depender de mim não vai acontecer tão cedo.

Deixei Pepper para trás, andando pelo corredor do meu apartamento até chegar no meu quarto. As paredes brancas ainda estavam repletas de quadros decorativos, a estante cheia de livros, minha escrivaninha com anotações sobre idiomas que adoraria aprender e lugares que amaria conhecer. Organizei cada pedacinho deste apartamento, como esquecer da vista que fez com que eu escolhesse esse andar?

Prendo meu cabelo em um coque, fazendo mechas insistentes fugirem cobrindo a pele do meu rosto, retiro minhas roupas ficando somente de lingerie. Paro em frente ao espelho de corpo do banheiro observando meu reflexo, tudo o que via era uma garota pálida com longos cabelos escuros e olhos cinzentos.

Nos últimos anos, minha vida tem sido uma montanha russa, tenho estado relapsa com tudo à minha volta.

A empresa que os Beaumont tanto se orgulhavam está nas mãos da vice-presidente. Sei que minha mãe odiaria ter alguém que não pertence a família mandando na empresa, entretanto nunca quis tanta responsabilidade e a ideia de entregar a presidência para minha avó machuca demais meu orgulho.

Talvez morar em New York seja minha fuga perfeita de toda essa bagunça.

RavennaOnde histórias criam vida. Descubra agora