Ravenna

26.

Quando a noite chegou Amélie estava mais que entediada, a chuva acompanhada de trovões eram tudo que poderiam ser ouvidas do lado de fora da mansão Beaumont. A madrugada era uma companheira antiga da mulher, sempre com medo de que uma ligação destruísse sua vida como foi há alguns anos quando sua única filha morreu num acidente de carro.

Foi uma noite chuvosa, repleta de relâmpagos, o vento forte batia na janela enquanto ela dormia tranquilamente no seu quarto. A ligação deve ter ocorrido por volta das três da manhã, depois de Marjorie ter ficado horas em uma reunião com acionistas estrangeiros, quem fez a ligação foi Marienne Riqueti, atual vice-presidente das empresas Beaumont, a voz desesperada da jovem foi o suficiente para apavorar Amélie que saiu da cama com pressa.

Não fez diferença o tempo que levou até o hospital, ela já estava morta quando chegou, e isso fez com que a mulher não tivesse reações, olhando fixamente para frente em choque por ter sua pequena garotinha morta por um caminhoneiro que dormiu enquanto dirigia.

Amélie sabia que não havia sido uma mãe perfeita, bem longe disso, porém tudo que ela fez desde que descobriu estar grávida foi lutar para que soubesse o lugar que ocupava no mundo, nem que para isso tivesse que cometer atos condenáveis contra aqueles mais próximos dela. Não se arrependia de nada, pois se esforçou para que Marjorie se tornasse uma mulher maior que a própria Amélie.

Sua infância não foi uma das melhores, indesejada por um pai que sonhava com um menino para seguir seus passos como empresário e uma mãe que tinha dificuldade de ter filhos, toda a pressão que Amélie sentia foi o suficiente para criar uma mulher que prometeu a si que iria concretizar os desejos do pai.

Aos quinze anos, ela conheceu Sylvain Lafayette, um jovem detestável que era o herdeiro principal da fortuna da família, então não demorou para o pai da jovem decidir que eles deveriam se casar. Aos dezoito anos, o casamento aconteceu com toda a pompa que os títulos das famílias exigiam como cortesia. Logo após o matrimônio, começaram os discursos para que engravidasse o mais rápido possível, coisa que não aconteceu devido ao problema que herdou da mãe, mas, aos trinta anos ela soube que estava grávida de uma garotinha que futuramente seria chamada de Marjorie.

Aquelas memórias desagradáveis rondavam a mente da senhora, os gritos de Ravenna que acompanhavam os trovões também deixavam ela ainda mais irritada.

Passou pela porta do antigo quarto da neta, escutando os gritos desesperados dela, bateu na porta com força para fazê-la parar e assim ter algum momento de paz, caminhando até a cozinha para buscar um copo de água.

Estava cansada de tudo isso, queria somente ficar sozinha, porém ter Ravenna na mesma casa que ela fazia com que tantas lembranças e ressentimentos voltassem com tudo para sua cabeça. Ao contrário do que acreditam, Amélie não odiou a garota desde o começo, pois foi ela que se viu impactada com a pequena bebê enrolada em panos sujos no estacionamento da empresa da família, foi a mulher que se abaixou naquela noite chuvosa para salvá-la da provável morte por hipotermia.

Tudo mudou quando ela viu Marjorie com Ravenna nos braços pela primeira vez, ela soube naquele momento que nunca seria como antes, agora a preocupação da filha não era mais ser a maior empresária que sua mãe sempre sonhou em ser, todas as coisas que imaginou para o futuro grandioso de sua filha foram destruídas por aquele bebê que arruinou a imagem imaculada que Marjorie tinha de Amélie.

Sentiu a presença repentina de Ravenna atrás de si fazendo com que pulasse de susto, ficou ainda mais perplexa com a visão degradante que era sua aparência. A beleza juvenil da jovem se dissipou como uma cortina de fumaça, diante do que agora era a garota com seu rosto pálido, magra, semelhante a alguém quem não dorme há dias, no entanto o que mais assustava a senhora era seu olhar odioso. Foi a primeira vez que Amélie sentiu medo da neta.