Capítulo 24

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Quando a notícia de sua gravidez se espalhou, Lídia não quis ir para o colégio. Todos saberiam, todos falariam. Imaginou-se num cenário Meninas Malvadas, só que numa escola onde as carteiras não eram limpas, os alunos não permaneciam na sala e não havia armários, porque seriam vandalizados e arrombados em pouquíssimo tempo.

Tentou faltar uns dias - sua mãe não perceberia. Mas Prudência percebeu, e prometeu contar a Georgia. O "conta tudo pra sua mãe, Quico" funcionou, pois a amizade da garota rica e estudada era preciosa demais para ela. Graças a Georgia William estava lhe pagando alimentos gravídicos, graças a ela Lídia não estava na fila da Defensoria. Não poderia arriscar decepcioná-la.

Decidiu manter-se de cabeça erguida para ir para a aula. Suas condições tinham se alterado, porém ela ainda era mesma.

- Ooooooooooooi, sumida!

Lídia respirou fundo. Lá vinha a primeira falsiane buscar os detalhes de seu infortúnio.

- Amiga! Já sabe da novidade? Vou ser mamãe!

Um coach empreendedor especializado em gestão de crise não teria feito melhor. Lídia assumiu logo o que evidentemente seria claro em algumas semanas, logo no começo das fofocas. A "amiga" fingiu surpresa, como fingem todas as que são amigas entre aspas, e Lídia acabou se empolgando um pouquinho:

- E o pai do meu filho é lindíssimo!

- Ah, você sabe quem é o pai!

Os demônios interiores da garota quase a incitaram a começar um UFC.

- É claro que eu sei. O nome dele é William, e ele tem me dado todo o apoio, não me deixa faltar nada.

Como esse apoio foi conseguido,  ou melhor, arrancado, melhor ocultar. Assim como o fato de que ele tentou ficar com sua irmã primeiro. Detalhes, apenas. Em resposta, recebeu um "oh, parabéns" levemente decepcionado - a outra garota esperava um momento mais Casos de Família.

Com uma calculada balançada de cabelo, Lídia seguiu seu caminho. Entrou na sala de aula, sentou-se na sua carteira de sempre, altiva como sempre. Já que estava grávida, seria a gestante mais linda, aquela cuja pele brilha e que ninguém desconfia que vomitou as tripas pela manhã. Compraria vestidinhos delicados cheios de lacinhos para usar e faria um chá de bebê chiquérrimo, em que as meninas do colégio disputariam convites. E uma daquelas festas de revelação do gênero, com um bolo vulcão em que sairiam de dentro confeitos rosa ou azul. Quem sabe não conseguiria o salão de festas do prédio de Georgia?

A aula de biologia foi passada em devaneios. Continuava sem saber o que era um cloroplasto,  mas os balões, o cardápio, tudo estava minimamente planejado. Depois, na aula de matemática, calculou somente quanto de frango deveria comprar para fazer um estrogonofe que alimentasse todos na festa. Quem sabe teria promoção de batata palha no atacado...

Mal percebeu quando a aula acabou. O ponto de ônibus ficava exatamente em frente à escola, e ela ficou esperando ali. Não estava cheio - ela demorou tanto para sair da sala, entre sonhos e conversas com outras garotas curiosas, onde se ocultaram os detalhes já citados, que a primeira leva de alunos já tinha ido embora. O que foi, para ela, uma grande sorte - pois que, no momento em que aguardava, observou uma moto estacionando. O motorista dela tirou o capacete, e ela reconheceu William.

Tencionou falar com ele, mas não houve tempo. Uma garota que não conhecia se aproximou do rapaz, sorrindo. Ele então a beijou. Não um beijo qualquer; foi um beijo de quem está tendo intimidades adolescentes encostado no muro da viela. O queixo de Lídia bateu no núcleo terrestre.

A mocinha então subiu na moto, sem capacete, embora ele estivesse protegido. Obviamente ele não se importava com a vida de sua garupa, e nem ela. Seguiram o caminho com ela libidinosamente abraçando-o.

Lídia estava prestes a explodir. Entrou no ônibus calada, agradeceu aos céus por não ter falado qualquer característica que identificasse, para as meninas do colégio, que aquele era o SEU William. Chegando em casa, trancou-se no banheiro e gritou como se houvesse lá uma barata gigante radioativa kafkaniana.

***

Despeitada e magoada, Lídia pegou o ônibus, no dia seguinte. O veículo fez um caminho distinto do tradicional de seu dia-a-dia, pois não era o ônibus que a levava para a escola.  Parou na rua de William, pois alguém tinha apertado o botão de dar sinal para descer. E Lídia ali desceu, sem o conhecimento de qualquer pessoa que quisesse seu bem e que naturalmente tentaria impedi-la.

Prudência e Conquista - fanfic Orgulho e PreconceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora