Capítulo 18

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Prudência sentia-se no fundo do poço, abraçada com a Samara, depois de tudo o que tinha acontecido. Como a menina fantasma de longos cabelos não era lá uma boa confidente, procurou Coralina. Chorou lágrimas de raiva até dormir no colo da irmã.

Sentia-se culpada pelo que tinha acontecido. Se ela não tivesse saído com William, talvez Lídia nunca o tivesse conhecido. Quem sabe Lídia não ficou com ele apenas na perspectiva de irritar a irmã? Ou talvez ele tenha encontrado o facebook de Lídia por meio do de Pru... Se ela tivesse visto sua índole logo de cara, comentado algo... Mas ela não o fez. E o peso de todas as coisas não ditas era como um pneu de crossfit sobre si.

Coralina contou a Charlotte sobre o que tinha ocorrido. Não que Charlotte não soubesse - toda a rua já sabia. Ela só teve a decência (e o orgulho) de esperar ser propriamente informada para poder falar com Prudência.

As amigas marcaram de se encontrar na cafeteria do shopping. Não tomariam café, claro, porque ninguém vai nesses lugares para tomar café: a conversa seria entremeada por doses cavalares de açúcar na forma de bebidas geladas com cores de unicórnio e chantilly. Não há mágoa que não se cure com bebidas de unicórnio.

Prudência chegou cedo, como sempre, e sentou-se em uma poltrona da cafeteria. Era de couro falso, já fofa de tanta gente que já tinha se sentado lá. Se deixou afundar nela. Era bom, reconfortante, estar ali no meio daqueles hipsters que gostavam de pão de queijo integral e não tiravam os olhos de seus celulares. Eles não a olhavam, não julgavam; tudo parecia estar em animação suspensa de normalidade.

Ela queria ter um livro para a espera, mas só em Hollywood as pessoas entram em cafeterias para ler. E a probabilidade de sujar o livro? E o tempo? Pois quando começava a ler, Prudência imergia, e quando percebia, horas já tinham se passado. Imagina começar um capítulo e não o terminar? Colocar o marcador no meio do capítulo, sem saber exatamente qual parágrafo foi o último a ser lido, se parou na página da esquerda ou da direita? Muito errado.

Decidiu pegar o celular, como os demais - poderia jogar um jogo entre as dezenas que tinha instalado. Tentava conectar na rede wifi enquanto balançava os pés na mesinha à sua frente. Tinha conseguido um bom lugar. Charlotte sentaria em uma poltrona igual à sua, bem em frente, a mesinha entre elas pronta para segurar as guloseimas que seu vale-refeição lhe permitia comprar.

A distração dos personagens na tela a divertia. A hora combinada chegou e ela mal percebeu. Notou uma movimentação próxima; alguém sentou-se à sua mesinha. Que raro Charlote chegar só um pouquinho atrasada!

Só que não foi Charlotte quem sentou-se ali. Pru só viu um par de pernas e pés masculinos, jeans escuro e tênis all star iguais aos seus. Ah não, ninguém iria roubar o lugar, não enquanto ela estivesse ali. Anos andando de ônibus a tornaram perita na arte de sair correndo e garantir onde sentar. Abaixou o celular, pronta para a briga.

- Com licença, eu estou guardando lugar pra... Danilo?

Um sorriso sem graça coloria as faces do rapaz.

- Oi Prudência, tudo bem?

Parecia que aquele ia ser mais um dia difícil para Pru.

- Danilo esse lugar está ocupado... eu estou esperando uma pessoa - respondeu Prudência, tentando ser grossa, mas soando cordial. Afinal, seu inconsciente era muito educado.

Danilo levou o braço à nuca, constrangido.

- Então, Prudência... eu sou a pessoa que você está esperando.

Pru não estava entendendo.

- Oi?

- Deixa eu explicar...

- Desculpe, eu estou atrasada - respondeu, levantando-se da cadeira.

Danilo pegou seu braço para impedi-la, mas logo soltou-o ao ver o olhar furioso de Prudência - aquele olhar de quem está prestes a soltar um golpe de krav magá para se desvencilhar de um abusador.

- A Charlotte não vem - ele respondeu, olhando para o chão.

Ok... algo errado definitivamente não estava certo. Prudência sentou-se.

- Como assim? Aconteceu alguma coisa?

O rapaz notou a força daqueles olhos furiosos e confusos. Queria apasiguá-los, deixar que voltassem ao tom doce de castanho que tinham, à forma que brilhavam ao ver algo que lhes agradasse - ainda que vissem algo simples, como um brigadeiro.  Prudência sorria com os olhos. Com o rosto todo, na verdade. Tudo o que Danilo queria é que aqueles olhos sorrissem para ele.

- Charlotte me falou sobre o que aconteceu à sua irmã.

Prudência soltou um palavrão. Seu inconsciente já não estava mais tão educado.

- Eu entendo que você esteja brava. Entendo mesmo. A Charlotte... ela só queria ajudar. Não a culpe. E eu... eu estou aqui para ajudar.

Danilo coçou os pelos da nuca. Prudência permaneceu em silêncio, os braços cruzados sobre sua mochila no colo. Ele continuou:

- Nós vamos processar o William.

- Processar o William - repetiu ela, mecanicamente.

- Sim. Escute... eu conheço o William há bastante tempo. Ele tentou dar um golpe na minha irmã. Ela... bom, isso não vem ao caso. Nós conseguimos que ela visse o golpe antes de perder muito dinheiro com isso. O fato é que ele é um trambiqueiro. E nós temos como conseguir que ele pague uma pensão à sua irmã mesmo antes de o bebê nascer. E se ele tentar fugir disso, irá para a cadeia. Também o faremos pagar os danos materiais que ele causou à minha irmã.

- Certo... E por que sua irmã não fez isso antes?

- Ela tinha vergonha, no início. Ao menos até ver uma discussão sobre ele em um grupo no Facebook. Parece que ele tentou dar golpe em uma mulher mais velha. Pegava dinheiro dela sob vários pretextos e gastava com outras mulheres... sua irmã entre elas.

Prudência queria desaparecer. Danilo deu alguns segundos para que ela digerisse as informações que recebia e então continuou.

- Charlotte viu essa discussão e entrou em contato com minha irmã. As duas me chamaram para ajudar... e aqui estou. Eu pretendia falar com você no Whatsapp sobre isso, mas você me bloqueou.

A indireta fez o rosto de Pru arder.

- Então... você pode pedir a autorização da sua irmã para darmos início ao processo? Eu trouxe uma pasta com todas as informações que vamos precisar.

- Danilo... - Prudência tomou fôlego - eu entendo que você queira ajudar a sua irmã... mas o que você ganha ajudando a minha? Quer dizer, por que você está fazendo tudo isso?

Prudência sabia que, nessa vida, não existe almoço grátis.

Danilo sorriu. Seus olhos desceram ao chão e voltaram, ávidos, direto para os dela. 

- Por que eu faria qualquer coisa por você, Prudência.

Prudência e Conquista - fanfic Orgulho e PreconceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora