Capítulo 17

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Prudência olhou para a irmã, ávida por respostas, enquanto Lídia mantinha os olhos baixos, imóvel como uma criança que acredita que ficaria invisível se estivesse de olhos fechados.

- Anda, Lídia, responde - cobrou a mãe.

Lídia respirou fundo, tirando do fundo do pulmão um ar que não estava lá.

- Me desculpa, Prudência - disse.

- Como assim? - respondeu uma chocada Pru.

- Irmã... o pai do bebê é o William.

Mary pensou por um instante e perguntou:

- William não era um cara que foi crush da Pru?

Prudência olhou para Lídia com a descrença de quem torce para um time prestes a ser rebaixado. A segunda, porém, não chegou a levantar o olhar: havia uma manchinha no piso que era muito mais interessante do que a íris de sua irmã.

Pru, sempre tão fiel a seu nome, sempre ponderada, começou a gritar.

- LÍDIA, QUAL O SEU PROBLEMA?

Todas olharam para ela, assustadas. Sua mãe a repreendeu aos gritos; pessoas de comportamento pacífico não podem gritar - só se podia fazê-lo naquela casa quem sempre o fez, vulgo mamãe e Lídia. Logo, fazia todo sentido gritar para que se parasse de gritar. Ao menos na lógica delas.

Claro que essa lógica só irritou mais ainda Prudência, que começou a levantar cada vez mais sua voz, em frases que eram versões mais ou menos iguais e repetidas de "Lídia, você fumou cocô ou sempre foi idiota assim?".

Mary, por outro lado, tentava acalmar os ânimos, sabendo que tinha forçado uma abertura prematura daquela caixa de Pandora. Infelizmente o seu "gente, qual a necessidade disso?" e variações correlatas não eram ouvidos, e logo ela estava gritando também.

Já a matriarca da família entendia que devia gritar mais alto do que todas as demais, pois era a chefe da família e tinha a voz mais grossa de todas elas, devido ao excesso de Marlboro Light.

Foram discutidos temas importantes naquele dia, sendo reconhecidos os fatos que ninguém tinha dinheiro para um bebê na casa, que a notoriedade do fornecedor de espermatozóides indicava que o pagamento de uma pensão deveria ser obtido em juízo, mas que ninguém tinha dinheiro para o advogado, tampouco; que a situação era complexa e outras questões caras ao desenvolvimento de uma criança que não foi planejada nem querida, advinda de uma falta de irmandade por parte de uma irmã juntamente com o mau-caratismo de alguém que havia prometido namoro quando não tinha a menor pretensão de fazê-lo.

O berreiro só cessou quando foi notada a presença de uma vizinha fofoqueira na janela do sobrado ao lado, praticamente uma visão real do meme de Michael Jackson no cinema. Realmente só faltava a pipoca para aquela senhora que sorria, feliz, por ter algum divertimento em sua vida vazia. Naquele dia a sessão da tarde teria menos um televisor sintonizado - aquilo era muito melhor do que Casos de Família.

- Mas o que essa velha tá fazendo olhando para cá? - notou Mary, apontando o dedo.

Lídia, ansiosa por poder mudar o foco de sua barriga para qualquer outra coisa, ao sinal de Mary decidiu sair para o quintal e provocar aquela senhora para que a situação de todas pudesse piorar um pouquinho mais:

- Tá gostando do show, velha ridícula? Vem aqui pra eu quebrar a sua cara!

Foi consenso entre todas que Lídia acabaria fazendo a polícia parar na porta delas, de forma a ter mais vizinhos na janela olhando para elas. O grande problema é que ninguém conseguia pará-la quando ela começava um barraco. Com Lídia nunca era só um barraco, era uma favela inteira.

Assim, todas torceram para que a velha não retrucasse. Só que ela retrucou.

- Grita mais, ô meretriz... Pelo menos sabe quem é o pai?

Lídia não sabia o que significa meretriz, mas devia ser algo ruim.

- É claro que eu sei, sua velha inútil!

- Ele pelo menos te pagou em dinheiro?

O tempo parou por um instante. Se a tensão era tão presente que podia ser cortada com uma faca, nesse caso ela tinha sido cortada com um machado, um sabre de luz e a Excalibur juntos.

- Eu vou acabar com essa velha!

Lídia estava a um passo de virar Super Sayajin e começou a tentar pular o muro que separava as duas casas, esquecendo-se que não era um moleque tentando pegar a pipa que caiu do outro lado. Obviamente não conseguiu, mas não parava de tentar, como um pinscher não para de tremer. Enquanto tentava, aos pulinhos, dizia:

- Eu aborto mas quebro a cara dela antes.

- Você vai é se machucar, sua idiota! - gritou Prudência, correndo para o quintal.

De repente a senhora saiu da janela.

- É isso mesmo, sua velha, volte pro seu lugar! - se empolgou Lídia.

E ela voltou para a janela. Desta vez com um celular nas mãos.

Prudência gelou. Tinha escapado de ver uma irmã famosa por pagar mico na internet e estava correndo o mesmo risco com outra.

- Mary, me ajuda! Você pega as pernas dela!

- Quê?

- Ela vai se machucar aqui nesse muro, e a mulher tá filmando!

- Filmando? - O raciocínio de Mary não estava dos melhores.

- Anda, Mary!

Prudência lembrou-se do treinamento de brigada de incêndio que fez quando era estagiária. Pegou Lídia sustentando-a pelas axilas e orientou Mary para carregar a parte debaixo do corpo da irmã. Teriam alguns segundos, talvez mais se aquela senhora fosse do tipo que se atrapalha com celulares. Pru torceu para que a velha fosse do segundo tipo.

Lídia, cansada de tanto pular, não ofereceu resistência. Embora, claro, não tenha parado de gritar, e as duas irmãs puderam carregá-la para dentro e fechar as cortinas.

Dona Olga, a vizinha, ficou chateada com o fim do show, mas também feliz porque podia ir até o portão da vizinha do fim da rua, a Dona Marli, e contar ela e para as outras distintas senhoras da região que ali se reuniam costumeiramente que cena emocionante presenciou. E tudo isso a tempo de fazer a janta dos netos que chegariam de perua escolar.


Prudência e Conquista - fanfic Orgulho e PreconceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora