Os Três

100 8 2
                                    

          - Me desculpe, - disse Richard saindo de perto de mim e colocando as mãos no rosto - isso não vai mais acontecer Sr. Benetti, respeito sua filha... Foi um deslize.

          - Okay Richard, vocês já são dois adultos e sei que estão esperando se casar para... - meu pai estava meio desconsertado e sua blusa laranja surrada parecia o deixar mais nervoso ainda (não sei bem qual o motivo) - Bom, vocês entenderam. Seja como for, não quero que isso se repita para o bem da escolha de vocês.

          - Com certeza, - falei com muita vergonha do que meu pai havia visto - me desculpe pai, isso não vai mais acontecer. Foi só o calor do momento.

          - O "calor do momento" - meu pai frizou nos encarando e então tentou sorrir - Bom, só vim aqui para dizer que estão atrasados, o trem de vocês para Cotswolds parte logo, é melhor se adiantarem.

          - Sim, claro - Richard deu um sorriso falso.

          Meu pai saiu do quarto sem dizer mais nada, então Richard e eu nos encaramos por alguns minutos e então começamos a rir. O local de repente ficou mal iluminado, era como se avisasse de uma provável chuva. Finalmente a aparência do dia começou a combinar com o frio.

          - Precisamos nos casar logo - ele comentou após colocar seu rosto bem próximo ao meu e passar as mãos em meus cabelos.

          - Tenha calma Richard - o beijei após dar algumas risadas - Não vai demorar muito para não ter vergonha de me beijar intensamente, seremos um do outro para sempre.

          - Você diz como se não quisesse isso tanto quanto eu - ele me encarou torto e então tornou a rir, seu sorriso me fazia recobrar os motivos pelos quais comecei a enxergar a vida com mais esperança - Me desculpe Evelyn se te quero demais.

          - Talvez eu te perdoe algum dia Richard Acker...

          - Espero que não perdoe, não me arrependo em desejar você.

          - Então não peça desculpas...

          Ele tornou a me beijar, me fazendo sorrir outra vez. Descemos as escadas e pegamos minhas malas e então fomos até o carro de Richard. Seu motorista Dean estava lá, era bom vê-lo, haviam muitos anos que não o via.

          - Bom dia Evelyn. - ele disse abrindo a porta para que eu entrasse, seu sorriso largo e sincero não tinha se perdido com o passar dos anos - Como vai?

          - Estou bem, e você como vai? - tentei retribuir o sorriso - E sua esposa?

          - Estamos bem, ela está esperando nosso segundo menino! - as palavras saltaram de sua boca com uma emoção gigantesca - Meu pequeno John está com seis anos, ainda vão poder brincar juntos mesmo com a diferença da idade, eu espero.

          - Tenho certeza que serão grandes amigos - Richard disse ao entrar e se sentar ao meu lado - John é um menino muito bom, sei que vai cuidar do irmão.

          - Gostaria de conhecê-lo. - falei olhando para Dean através do retrovisor.

          - Estaremos no casamento de vocês, vai poder conhecê-lo. - ele respondeu entusiasmado.

         - Fico muito feliz que vá, de verdade Dean.

          O caminho até a estação de trem foi tranquilo. O sol fraco que encostava minha pele me dava uma boa sensação sobre o dia, era como ter a certeza de que nada daria errado e que nenhum fator em minha vida poderia acabar com a certeza de que a felicidade é real e duradoura. Era a primeira vez em toda a minha vida que me sentia feliz em ter a oportunidade de viver. Nunca havia parado de fato para refletir o que era a vida mas acabei entendendo três fatores muito importantes sobre ela em uma simples reflexão: primeiro, ela não é algo tão óbvio como as pessoas dizem ser, cada pequeno detalhe que a compõe esconde algo que é necessário muito tempo para saber realmente como funciona, seja entender o real motivo de um sorriso, ou de uma lágrima. Segundo, compreendi que cada pessoa a vê e a julga de um jeito, todas as situações por mais parecidas que sejam, são interpretadas e resolvidas de milhares de formas diferentes dependendo da pessoa, e tudo isso se deve ao simples fato de que todos nós acreditamos em certo e errado, contudo, julgamos algo com a nossa própria visão de certo e errado e normalmente ela muda de acordo com as diferenças de nossos princípios. Terceiro, não adianta tentar manipular sua vida como se tudo o que ocorre nela fosse escolha sua, muitas coisas são, mas nem todas. E qual a graça teria a vida se pudéssemos saber de tudo o que vai acontecer nela?

          Ao chegarmos na estação, Dean nos ajudou a descer com as malas e então se despediu tornando a exibir seu belo sorriso e então partiu. O local cheio de pessoas apressadas me deixou meio atordoada, mas nāo ficamos confusos em descobrir qual trem pegaríamos, felizmente Richard estava bem familiarizado com a estação.

          - Então - ele disse animado - está pronta para conhecer a fazenda mais antiga da família Acker?

          - Antiga? - olhei fixamente para seus olhos - Como assim antiga? Com fantasmas dos seus parentes e tudo mais?

          - Não - ele começou a rir e então me encarou meio incrédulo - minha família nunca foi de fazer um cemitério no jardim, mas essa fazenda era do tataravô da minha mãe.

          - E não é meio solitário sua tia morar lá sem mais ninguém? - percebi que seu sorriso desapareceu - Quero dizer... É um local muito grande para alguém morar só.

          - Ela não mora só, a fazenda tem muitos funcionários que a fazem, sabe... Continuar "funcionando".

          - Interessante saber que os funcionários fazem as coisas funcionarem. Esperto você.

          - Sua idiota. - ele me deu um empurrão de leve sorrindo.

          Entramos no trem e nos acomodamos em nossos lugares. O local repleto de pessoas escondia muitos olhares misteriosos, a sensação que eu tinha era de que cada pessoa escondia uma vida incrível e cheia de ação, mesmo que isso não fosse verdade. Richard acabou adormecendo em meus ombros após algumas horas, era bom sentir pela primeira vez que as coisas estavam simplesmente acontecendo. Gostava de não ter que se preocupar por onde andava a morte, ela simplesmente não me acompanhava mais.

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Só Mais Um Dia - Parte II Onde histórias criam vida. Descubra agora