Orquídeas

128 8 0
                                    

          A manhã estava cinza e o vento gelado que batia em meu rosto me fazia sentir um pouco de frio. Havia chovido durante a noite, então a praça do Hospital se encontrava um tanto molhada. Vi meu reflexo em uma poça de água e acabei vendo a imagem que eu mais temia: o rosto pálido, com olheiras enormes debaixo dos olhos e sem nenhum cabelo. Todo meu belo cabelo ruivo que batalhei para conseguir novamente havia se perdido à medida que eu morria aos poucos. E provavelmente tudo que eu não queria era ver meu próprio reflexo. Estava usando cadeira de rodas, já que não tinha forças o suficiente para andar sozinha, e isso fazia-me sentir tão incapaz, um sentimento que me sufocava a todo tempo. Não era mais forte o suficiente para fazer coisas simples como andar, esticar o braço exigia muito de mim. Não tinha forças para continuar aqui, e o pouco que tinha se transformava em dor. Uma parte de mim já havia morrido há alguns anos, e por mais que eu dure mais tempo, nunca vou conseguir recuperar o que perdi, pois a matei aos poucos, toda vez que desejava morrer, toda vez que morria sem saber.

         Richard apareceu trazendo um buquê de orquídeas nas mãos, as flores que eu mais gostava. Sua aparência estava melhor, estava corado e andava bem vestido, junto dele um sorriso bem alegre, o que me fez sentir vergonha de mim mesma e de minha aparência. Puxei o capuz do casaco que estava usando e tampei minha careca.

          - Não precisa tampar a cabeça, amo você do jeito que você é - disse Richard vindo até mim e se agachando - nada vai mudar o fato que você é linda.

         - Sei que me ama, mas não precisa mentir - falei tentando não parecer rude - pareço um dos zumbis de The Walking Dead, com a diferença de que eles mesmo mortos ainda andam. 

         - Sei que as coisas não estão do jeito que queríamos - ele segurou minha mão - mas continuamos juntos. Seria ótimo se estivéssemos casados, mas nem sempre as coisas são como queremos Evelyn. As coisas podem estar difíceis agora, mas ninguém sabe do futuro.

         - Richard no futuro eu vou estar morta - ri por um segundo - entenda que não existe futuro para mim. E por mais que eu queira tempo, o relógio gira mais rápido para mim.

          Ficamos em silêncio por um tempo. Ele abaixou a cabeça e vi uma lágrima cair no chão, talvez eu tenha sido um pouco dura.

         - Desculpa - eu falei tocando seu rosto - sei o quanto queria que tivéssemos a oportunidade de viver uma história juntos. Mas não consigo visualizar um futuro sem um fim.

       - Evelyn - ele olhou para mim com os olhos molhados - ainda não é o fim. Você tem que entender que ainda tem tempo. Você se mata antes de morrer, e me faz morrer toda vez que diz isso. Não está vendo que ainda estou aqui, com você? Ainda podemos ficar juntos, nem que seja por só mais um dia.

      Richard se aproximou um pouco mais e me beijou. Talvez ele tenha sentido o gosto dos remédios que eu andava tomando, e imaginar isso me fez rir enquanto nos beijávamos.

      - O que foi? - ele me encarou sem entender.

       - Fiquei pensando - ri um pouco mais - Você não sente o gosto dos remédios que eu tomo? Sei lá, quando me beija não sente um gosto parecido com dipirona na boca? 

          - O sabor da sua boca é ótimo, então devo supor que os remédios que toma são bem saborosos - ele riu então voltou a me beijar. 

          Mais tarde naquele dia ele me levou para passear. Não podíamos ir muito longe, então ele empurrou minha cadeira de rodas pela praça do Hospital que era consideravelmente grande. Vimos o pôr-do-sol perto de uma árvore, onde passamos algumas horas conversando. Richard me fazia esquecer quase por completo minha condição, e sua companhia me dava uma sensação de que eu verdadeiramente estava viva. À medida que a noite chegava ficamos observando as estrelas aparecendo no céu, em silêncio. Ele me tirou da cadeira de rodas e me colocou sentada em seu colo, e ele estava cheirando muito bem.

         - A propósito, obrigada pelas flores, eu amei, estão lindas - disse cheirando o buquê - mas você está mais cheiroso, aproveitei e dei um beijo em seu pescoço.

         Ele riu corado, então me beijou. Era a melhor tarde que um paciente com câncer em um hospital poderia ter. E de todas as 7 vidas que eu parecia ter, essa tinha sido a mais feliz.

 E de todas as 7 vidas que eu parecia ter, essa tinha sido a mais feliz

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Só Mais Um Dia - Parte II Onde histórias criam vida. Descubra agora