Adeus

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          Me sentia uma nova pessoa. Estava mais confiante e havia deixado de temer a morte e qualquer dos efeitos que ela causaria na vida dos outros. Mesmo sofrendo com o fato de ter perdido Richard, eu estava com a sensação de que estava recomeçando, que tudo poderia ser diferente de agora em diante. Eu poderia andar com as minhas próprias pernas.

          Saí do trem com tudo isso na cabeça, alguns pensamentos bagunçados, outros certos, eu não tinha ideia do que faria em Oxford, não tinha certeza se realmente iria ver Richard. Não estava certa de queria realmente isso. Andei na rua sem destino, apenas olhando tudo ao redor com a estranha sensação de liberdade, como se mesmo que eu morresse, esse não seria o fim. Fui até uma lanchonete, comi um sanduíche e tomei coca-cola, me senti "a rebelde" por estar fazendo aquilo, já que era algo que uma pessoa com câncer deveria manter distância. Depois que saí da lanchonete resolvi simplesmente fazer um passeio a pé pela cidade, indo a qualquer lugar, parar apenas se eu quisesse. Encontrei um parque, onde algumas crianças brincavam alegremente. Me veio a lembrança o meu jardim de infância, quando eu acreditava que fadas de fato existiam e que um dia eu poderia voar para conseguir cochilar nas nuvens. Eu queria ter o poder de voltar no tempo e dizer àquela garotinha que ela ainda tinha tempo de acreditar em outras lendas, de deixar o imaginário cada dia mais presente em sua vida. A realidade me matava mais do que o próprio câncer. Estava tentando impedir isso.

          Me sentei no banco e olhei para o céu. Deixei que meus pensamentos me levassem a qualquer lugar do mundo e principalmente que me levasse para algum lugar feliz.Então fechei os olhos e vi lugares incríveis que me fizeram sorrir. Quando os abri, levei um grande susto ao ver Richard rindo de mim.

          - Você não mudou nada, - disse ele se sentando do meu lado - o que faz aqui?

          - Neste exato momento, não estou fazendo nada - o encarei - a não ser que ache que olhar para o céu seja algo interessante.

          - Eu acho. - ele sorriu - Depende do que você espera ver lá. O que você vê?

          - Eu não sei, - tentei sorrir - talvez eu não estivesse procurando ver algo. Acredito que não seja possível ver a própria alma no céu.

          - Talvez precise de um espelho para vê-la, - ele olhou para o céu - sabe, consigo ver sua alma através de seus olhos.

          - Então suponho que você tenha visto uma alma bastante negra.

          - Não. Vejo uma alma singular. Uma alma pura, cheia de sinceridade, coragem, amor. Com certeza admirável.

          - Sabe o que eu acho? - o olhei fixamente - Que você não sabe nada sobre a minha alma.

          - Tem razão. Eu adoraria descobrir mais sobre ela - ele segurou minha mão.

          - Você sabe que não existe mais "nós", não sabe? - perguntei friamente.

          - Apenas não existe o que você decide não acreditar. Não acredita que eu ainda a amo? Que você é o meu primeiro pensamento do dia? Não, eu que não acredito Evelyn, que mesmo depois de tudo você ainda não considere isso.

          - Então por que você sempre desaparece de repente da minha vida? Se eu significasse tanto assim você não iria simplesmente sumir! - falei alto.

          - Evelyn eu faço faculdade, é muito difícil para eu sair. Hoje é domingo e eu estava indo...

          - Estava indo onde? - o encarei.

          - Te ver, era uma surpresa. Até liguei para Violet mas ela vive desligando na minha cara.

          - Por que será né - debochei.

          - Olha, sei que nosso namoro foi interrompido por uma fatalidade, mas isso não foi minha culpa nem sua. Quem poderia saber que você ficaria três anos e meio em côma? Evelyn você não sabe o quanto eu sofri. Eu parei de viver, me senti mais parado no tempo que você. Eu não conseguia continuar, seguir em frente. Simplesmente parei de viver.

          - Acha que eu me sinto bem em saber que fiz você sofrer? Sabe, não existe outra coisa que me faça me odiar mais do que saber que faço os outros sofrerem por causa do meu estado patético de saúde. Tenho me sentido ainda menos capaz de significar algo bom para a minha família. Não consigo parar de ser motivo de dor.

          - Não deveria pensar assim. - Ele me olhou pensativo - Você não é só uma pessoa com câncer que faz a família sofrer por causa de sua condição. Sempre te achei uma pessoa incrível. O câncer nunca impediu que você fosse.

          - Só não quero te fazer sofrer mais. Acho que você precisa ouvir de mim. - olhei para as folhas que estavam enfeitando o chão.

          - Ouvir o que? - ele parecia confuso.

          - Que você precisa seguir em frente Richard. Deixe nossa história para trás. Seja feliz, conheça uma nova garota, faça amigos, entre para uma banda. Não deixe que seu primeiro pensamento do dia seja eu.

          Me levantei do banco e saí andando sem olhar para trás. Sentia meu coração rachar a cada passo que eu dava. Estava desmoronando como uma construção antiga, deixando com que parte da minha história deixasse de existir.

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Só Mais Um Dia - Parte II Onde histórias criam vida. Descubra agora