Dezenove

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"Não teve como escapar
Sozinha, arrastada
Pro matagal escuro
Sua roupa foi rasgada
Cadê suas amigas?
Onde que estão seus manos?
Outra mulher estuprada" - Nocivo Shomon.


Duas ligações perdidas da mulher que se dizia minha amiga mas quando precisei me virou as costas. Gabriela poderia ter a mais plena certeza de que jamais falaria comigo outra vez. Não é vingança, não é uma tentativa idiota de fazê-la sentir um terço do que senti, ou como me senti. Isso seria impossível.

Sim, eu estou com raiva dela, de mim, daquele cafetão filho da puta, com raiva dele. No momento dizer para mim mesma que o que eu estou sentindo vai passar é uma tarefa árdua e sei que terei que trabalhar nisso. Deus, só de pensar que todos os dias mulheres passam por isto e eu não posso fazer nada... É tão angustiante, me dilacera por dentro. Ao mesmo tempo eu tento entender como. O ser humano é capaz de coisas terríveis como essa..

Já se passava das três da tarde, minha barriga doía mas a fome eu não sentia. O caminhão fazia um barulho alto quando passava nas ruas esburacadas da baixa. Me pergunto o que irão fazer com o pobre vigilante, ele foi chamado para depor.

- Vire a esquerda. - Informo ao motorista que acata minha ordem - É aqui!

A rua estava tomada por crianças que antes jogavam bola, agora encaravam o caminhão que atrapalhará seu jogo. Os fofoqueiros de plantão também não perderam a oportunidade, mas em meio a isto eu pude ver o portão verde, a casa onde eu nasci e fui criada.

Mãe, pai.

- É só me mostrar a casa e vê se tem alguém que possa me ajudar com as coisas - O motorista diz.

- Tudo bem, eu vou atrás de alguém para te ajudar. Já volto - Abro a porta do caminhão e desço com certa dificuldade. Era alto. - O senhor quer um pouco de água? - Pergunto.

- Se não for incômodo... - Diz agradecido.

Durante a viagem demorada até a baixada eu V agradecendo por ele não ter se comunicado muito comigo ou ter me olhado, isso me deixaria desconfortável.

Bato a porta pesada do caminhão e vou andando em direção à minha casinha. Posso ouvir algumas daquelas crianças assobiando para mim.... São só crianças... Apenas crianças. Sob os olhares atentos do povo que ali mora eu vou em direção ao portão sem manter contato visual.

"Costura-se roupas" estava escrito no portão, com tinta branca. Mamãe sempre faz os bicos dela. O portão estava aberto então entrei sem pensar muito.

A casa era antigaas era grande a pintura estava velha. O quintal estava organizado e parecia ter sido lavado.

Entro na varanda ouvindo o da televisão, alguém estava assistindo novela e para a minha surpresa não era minha mãe.

- Pai? - O senhor Emanuel me fita com um pouco de dificuldade mas logo me reconhece.

- Oi, Luara. Entra, sua mãe avisou que você vinha. - Disse sério.

Meu pai sempre foi muito rígido, me prendeu muito dentro de casa e acabou dando no que deu. Eu não está a esperando abraço mas fiquei triste. Meu emocional estava terrivelmente fodido.

- Onde ela está? - Pergunto sem jeito ao notar seu olhar em minhas vestimenta.

- Foi fazer uma faxina.

Ele se levanta só sofá com dificuldade e pega sua blusa sob a cadeira.

- Preciso de ajuda com a mudança.

- hein? Cadê, bora lá!

- Claro que não, você não pode pegar peso. - Ele pensou por alguns segundos.

- Vou chamar o filho da vizinha aqui, ele tá devendo. Sua mãe arrumou o quarto de trás pra você colocar seus móveis - Diz passando por mim.

Meu pai não tinha jeito, nunca iria demonstrar seus sentimentos por mim. Mas eu sei, ele me ama.
Vou até a cozinha analisando cada detalhe da casa, nada havia mudado muito. Os móveis e eletrodomésticos eram os mesmos. Pego a água rapidamente e levo para o motorista que estava retirando algumas coisas para ajudar.

- Vou levando o que da - Diz o motorista após beber a água.

O acompanho até o quarto dos fundos onde havia vestígios de ferramentas, provavelmente aqui era onde meu pai guardava as tralhas e minha mãe jogou tudo fora.

Ajudei no que pude, o que não qfoi muito.... Não sou acostumada a carregar muito peso, minha coluna já doeu.

Vejo uma mulher grávida conversando no portão, automaticamente lembro-me que o resultado sairá amanhã, bom na veredade já estava pronto mas eu não tive tempo e nem coragem para os buscar.

- Oi, colega - Me viro vendo um jovem sem camisa olhando para mim - O seu Emanuel pediu pra eu te dar uma força aí

- Ah, sim. Obrigada, é só ir pegando as coisas e por lá dentro - aponto para a casa - Ele vai mostrar onde é - Me refiro ao motorista.

Me encosto no caminhão sentindoeu corpo tremer e uma leve dor de cabeça apontar. Que merda, eu preciso comer.

Os olhares dos curiosos era algo que estava me incomodando, parece que eu virei a atração do lugar, até os homens nojentos passavam me olhando. A maioria aqui sabe do que eu trabalhava e aposto que como muitos ignorantes acham que eu era prostituta.

"Como está a mudança? Você está bem? Me desculpe não lhe acompanhar mas estou atarefado mais tarde te ligo."

Leio a mensagem de Caio e respondo o que ele quer ler... Que eu estou bem.

- LUA - Minha mãe grita meu apelido, chamando ainda mais atenção.

Diferente do meu pai ela me dá um abraço caloroso.

- Saudade, mãe - Me mantive forte para não chorar em seus braços.

- Por que não me avisou que tinha chego? - indagou assim que se afastou de mim.

- Não quis atrapalhar, meu pai disse que senhora foi fazer uma faxina.

Os olhos de minha mãe estavam fundos, suas mãos machucadas. Ela não precisava trabalhar mas fazia isso porque gostava.

- Cadê aquele velho reclamao? - Olhou para os lados em busca o meu pai.

- Não sei, ele saiu.

- Deve ter ido tomar os goro dele. E você? Já lanchou? - nego - Então vem.

"Mais um verme vai fazer
Outra família infeliz"

Meu pai estava estático, minha mãe chorava compulsivamente junto a mim. Contar aquilo para meus pais foi como tirar um peso de minhas costas mas por dentro minha alma ainda gritava, eu aindae sentia podre, derrotada.

A vergonha agora tomava conta de todo o meu ser. Olhar nos olhos de minha mãe e ver tristeza, olhar nos olhos de meu pai e ver angústia, saber que a culpada foi eu.

"Com vinte e poucos anos
Interromperam seus planos
Uma vida despedaçada
Eterno é o trauma
Na alma violentada
Ela beirou a morte
E a beira do abismo
Conheceu o ódio"

Neurótico uma paixão obsessiva (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora