Vinte E Seis

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"Ela me revelou que chorava e pensava em aborto
Ela me revelou que chorava e pensava em morte
Ela me revelou que chorava e pensava no cara
Sozinha, chorava...."

Uma semana depois.

Gustavo imitava o policial atrás de mim enquanto eu me contorcia para não rir. Ele era um verdadeiro palhaço sem nariz vermelho.

- Para - Sussurro para ele.

Estávamos em uma das palestras e o policial explicava a importância de colaborarmos para que os agressores fossem presos. A t a, como se eles fizessem algo, o meu agressor esta solto por ai e eu temo pela minha vida. Da última vez que fui até a delegacia eles disponibilizaram uma viatura para fazer ronda em minha rua, nada mais. É horrível tentar dormir a noite, ouvir um barulho e temer o pior.

Gustavo tem me ajudado bastante junto com sua irmã, eles são a minha terapia. Carol não pode vir mas ele fez questão de estar ao meu lado, não pela palestra mas porque hoje eu vou tirar esse lixo de dentro de mim. Essa peste me faz acordar enjoada, me faz ir ao banheiro toda hora, tive infecção urinária. Como se já não bastasse tomar uma penca de medicamentos e me sentir mal, eu ainda tenho que aturar isso. O lado ruim é que Gustavo voltará para Guarulhos mês que vem e me sinto péssima só de imaginar. Ele foi o único que me apoiou em relação ao aborto, minha mãe chorou sem parar, ainda ouço ela chorando em oração.

"Chorei, e implorei em oração
Não mate essa criança inocente
Ela foi escolhida dentro do teu ventre."

A palestra não duraria muito tempo. Chegamos a tempo na maternidade, Gustavo carregava minha bolsa com alguns pertences já que eu ficaria alguns dias aqui. O ato esta marcado para amanhã mas hoje eles vão me preparar.

Me colocaram em um quarto onde havia três mulheres, delas duas já tinham seus bebês nos braços e a outra estava gemendo de dor

Contrações

Me ajeitei na cama e Gustavo colocou minha bolsa em cima da poltrona de acompanhante. As mulheres daquele quarto ne encaravam sem entender, eu não tinha barriga mesmo após o parto a mulher ainda fica com uma barriga avantajada.

- Você está bem? - Ouço Gustavo perguntar.

Apenas aceno com a cabeça enquanto vejo uma enfermeira passar pela porta. Ela me encara e abre um sorriso largo, seus olhos agora vão até Gustavo, mais necessariamente em sua camisa branca.

- Boa tarde. Você é o acompanhante? - Pergunta gentilmente.

- Sou sim.

- Você vai ter que ir na recepção fazer um cadastro e pegar uma carteirinha, ta bom?

- Ah, ta bom. Eu ja volto Lua - Ele pega sua carteira que antes havia guardado em minha bolsa e sai.

Aquele quarto era terrivelmente gélido. A enfermeira analisou o papel que estava ao pé da minha cama e me olhou surpresa, agora ela sabe o porquê do aborto.

- Luara, nome bonito - Tentou amenizar o clima - Você tem pressão alta?

- Não, mas tive uma queda de pressão e desmaiei. - Explico chamando a atenção das mulheres ali.

- Então daqui a pouco eu volto para te levar para fazer uma transvaginal, certo? Ah, e se perguntarem o motivo de você estar aqui; é confidencial.

- Tudo bem - Digo sem animo. Ela sai me deixando ali com aqueles olhares curiosos.

Aquilo seria difícil para mim. Certamente não é um homem mas só o fato de ficar de pernas abertas outra vez, já me assusta.

Não sei o porquê de tanta burocracia, por que simplesmente não tiram isto de dentro do meu útero e pronto?

- Seu nome é igual o da minha prima - Ouço alguém dizer. Ergo meus olhos e vejo uma mulher amamentando.

Era uma cena bonita, a bebê parecia tão calma, relaxada. Será que dói?

- Ah - Foi tudo o que pronunciei. Eu sabia que elas só queriam saber o motivo que me levou estar ali.

- Ai, Jesus. Socorro! - A mulher das contrações gemeu. Ela segurava na cama e chorava.

Aquilo era assustador.

- Você sofreu um aborto? - A mulher finalmente pergunta.

- Não. - Fui curta e grossa. Ninguém ali precisa saber da minha vida, além do mais se eu tivesse sofrido um aborto não iria querer que alguém me perguntasse de forma tão indelicada.

Pelo visto ela notou minha indiferença e não me dirigiu a palavra, ótimo. Eu só queria ir embora dali.

Alguns minutos depois Gustavo entra, ele sorri e aponta para o crachá em seu peito. Automaticamente eu abro um sorriso. Esse homem é muito bobo

- Tô me sentindo importante - Ele diz sentando-se na poltrona ao meu lado.

- Mas você é, senhor grande empresário - Brinco.

- A empresa ainda é do meu velho, sou só o faz tudo dele.

- Ah, porraaa!

A mulher geme novamente. Encaro Gustavo segurando o riso mas ele não aguenta e ri. A sorte foi que a enfermeira entrou novamente no quarto nos chamando.

Tive que por um vestido horrível do hospital, não preciso dizer que o senhor Gustavo ficou rindo da minha cara.

Entramos em uma sala para a transvaginal, me senti incomodada por ele estar ali mas constrangida em dizer.

Me deitei na maca e em seguida mandaram eu abrir as pernas, travei na mesma hora.

- Ei, se quiser eu saio - Gustavo segurou minha mão.

Fechei os olhos e abri as pernas. Aquele equipamento me incomodava, eu mantia meu corpo rígido, tentando não pensar em nada. Encarava apenas os olhos de Gustavo aos meus.

Então eu ouvi...

Era rápido, muito rápido...

Alto feito o barulho de um trem em seus trilhos.

- O coraçãozinho - Disse a doutora.

- Que maneiro - Gustavo diz sem pensar. Sua voz era carregada de emoção.

Encaro a tela lcd e vejo algo se mexendo, era visível, estava abrindo e fechando a boca.

"Eu sou a voz que você nunca ouviu
Mamãe, o beijo que nunca te traiu
Eu sou e quero ser como você
Serei seu maior presente, me deixa nascer!"

- Fernanda Brum.

Recomendo que escutem essa música, esta na mídia para quem quiser.

Neurótico uma paixão obsessiva (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora