Capítulo 16

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O dia começou bem cedo, o acampamento parecia nunca descansar, Raoni estava do lado de fora da tenda me esperando, com seu humor tão bom quanto do dia anterior

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O dia começou bem cedo, o acampamento parecia nunca descansar, Raoni estava do lado de fora da tenda me esperando, com seu humor tão bom quanto do dia anterior.

A caminhada foi breve, ele me levou para uma tenda que não tinha um dos lados, dentro dela tinha uma cama simples, duas cadeiras, uma bancada cheia de objetos que uma curandeira usa e uma mesa de apoio.

Kuana estava mexendo em alguns frascos, enquanto uma criança com a mãe estava sentada em uma das cadeiras. Raoni me parou e me advertiu que o povo dele não estava acostumado com estranhos, então era melhor eu não fazer nada que pudesse lhe causar dor de cabeça, minha única resposta foi um olhar irritado, virei as costas e fui caminhando em direção a tenda.

Kuana me deu algumas breves explicações do que era o que na bancada, e se voltou para o menino que estava encolhido na cadeira abraçando o seu braço. Ela examinou com muita delicadeza o menino, mas uma careta e lagrimas surgiram em seu rosto mesmo assim.

Ela pediu para que eu ficasse com ele enquanto conversava com a mão, me agachei perto da criança e notei que seu ombro estava fora do lugar.

Não era atoa a cara de preocupação de Kuana, ela teria que recolocar no lugar, o que causaria uma dor enorme a criança e pelo que ela me disse dos suprimentos, não tinha nada que amenizasse a dor dele.

Kuana voltou e me pediu ajuda para o procedimento, colocou a criança em cima da cama e lhe explicou o que iria fazer, não lhe omitiu que iria doer, mas que seria rápido. Os olhos do menino se arregalaram e se voltaram para a mãe, que fez um sinal positivo com a cabeça.

Quando terminou de enfaixar o braço da criança após recolocar o osso no lugar, Kuana deu alguns tônicos para ele tomar, pois os mesmos ajudariam a acelerar a recuperação e no final lhe falou algo que o fez rir, ela tinha jeito com crianças.

O resto da manhã não foi muito atribulado, algumas pessoas com cortes, outras com dor de estômago e quando estávamos livres preparávamos alguns tônicos extras. Kuana não era muito de falar enquanto estava trabalhando, não sei se era sempre assim, ou se era por minha causa.

Ao cair da tarde, Raoni veio nos visitar e avisou que na manhã seguinte seguiríamos viagem, trocou algumas breves palavras com a irmã e então se foi.

Começamos a embalar os materiais e a preparar tudo para a viagem, quando terminamos, fomos direto para a tenda de Kuana, lá fizemos o mesmo, deixando apenas o que precisaríamos usar para dormir. Foi estranho ver a tenda quase vazia, sem os véus e tapetes, apenas com as camas e um amontoado de baús no canto.

- Você se saiu muito bem hoje Lia.

- Eu ajudava a minha mãe, mas devo dizer que a tenda é muito mais agradável de se ficar do que a cabana da minha aldeia.

- Por que?

- Porque aqui é aberto e não tem um cheiro desagradável que nem tinha a Cabana.

- Me conta mais sobre a sua mãe, como ela era?

Um aperto surgiu no meu peito junto com um sorriso triste, por um breve momento me perdi em meus pensamentos.

- Minha mãe era especial e linda, tinha um cabelo da cor do meu e olhos verdes que se iluminavam quando ela sorria.

- E o seu pai?

- Eu nunca o conheci e ela nunca disse quem era.

- Ninguém da sua aldeia falava sobre ele?

- Quando minha mãe chegou na aldeia ela estava sozinha, e eu era apenas um bebe.

- Você sente falta de lá?

- Não muita para falar a verdade, aconteceu tanta coisa que acho que não quero voltar tão cedo, mas sinto falta das pessoas de lá.

Kuana ficou em silêncio e encarou o teto da tenda, parecia estar pensando no que eu acabara de dizer.

- E você, como se tornou xamã?

- É uma tradição de família, minha mãe e todas a mulheres da minha família eram xamãs, então eu estou apenas seguindo a tradição.

- E você gosta?

- Acho que ninguém nunca me perguntou isso.

- Ué, porque não? Ninguém deveria fazer o que não tem vontade.

Kuana encarou o chão e ficou pensativa durante muito tempo, pensei que a conversa tinha acabado quando ela sussurrou.

- Quando eu era pequena queria viajar o mundo, atravessar o deserto e conhecer todos os cantos dessa terra.

- E porque não fez isso?

- Porque o meu povo e visto como invasor no reino de Dakar, e depois do falecimento da minha mãe, não tinha mais ninguém que pudesse assumir o cargo de xamã. Afinal, não se trata apenas dos conhecimentos das ervas e de males, mas sim de uma pequena magia que carregamos.

- Você sabe usar magia?

- Um pouco, principalmente voltada para cura, porque o espanto?

- Em Dakar quem usasse magia era condenado a morte, não conheci muitos que praticassem, mas recentemente descobri que eu também posso usar, contudo não sei muito bem como.

Kuana me olhou com interesse e receio, me examinou de cima abaixo como se não acreditasse que eu, uma garota que ela encontrou paralisada no meio do deserto quase morta, tivesse esse tipo de dom.

- Aqui não somos muitos, antigamente existiam mais, mas depois da grande guerra a magia foi sumindo e agora poucos do meu povo tem essa habilidade, mas não é muito forte. Qual seu tipo de magia?

- Eu não sei, e prefiro não tentar descobrir agora, a última vez não foi muito agradável.

- Como assim? – Eu desviei meu olhar do seu.

- Já esta tarde, vamos deixar essa história para outro dia.

Me virei de lado na cama dando as costas para Kuana, não estava no clima de compartilhar minha experiência na ilha das três irmãs. Passar pelos testes de Ani tiveram um preço bem alto.

Talvez Kuana pudesse me ajudar com essa questão, ou alguém da tribo dela, mas isso eu pensaria depois, primeiro tenho que convencê-los que não sou uma ameaça, gritar a plenos pulmões para todos ouvirem que tenho magia e de acordo com Ani, uma magia extremamente forte, mas que está lacrada, logo não é a melhor cenário para mim provar que falo a verdade.

Rosa Negra - A Ordem da RosaOnde histórias criam vida. Descubra agora