Capítulo UM

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--Petra!-Willie chamou sua recém contratada garçonete, para trabalhar em seu bar, "Doze's". Era o bar mais conhecido de Colibre. Grande, arejado, com mesas de sinuca e um pequeno palco. Era um dos grandes passatempos dos habitantes dali.

Ele fungou impaciente ao avistar a pequena figura, quase que correndo em sua direção. Petra era miúda, magra, e dificilmente podia-se dizer que tinha algum atrativo. Ela sempre se escondia por trás de imensas roupas. Recatada, era filha do ex-reverendo Bob, e também o seu melhor amigo. Ele o fizera empregá-la em seu bar pelos "velhos tempos", alegando que ela precisava viver. Ou o argumento fora bom ou ele estava ficando mole. Ponderou, enquanto observava Petra. Ela não era feia, não. Era um mistério. Seus cabelos castanhos, sempre estavam presos, ou num rabo-de-cavalo ou numa trança. E aqueles óculos que lhe ocultavam os olhos, serviam quase como uma máscara naquele rosto delicado. Era uma mulher, que vestia-se como uma menina. Afinal, dali há dois dias, ela completaria dezoito anos.

--Me chamou sr. Willie?-ela perguntou, meio ofegante. Sua voz baixa, e educada. Ele respirou fundo, apoiando um cotovelo no balcão, enquanto esfregava os olhos com a outra mão.

--Sim, Petra.--confirmou--Precisamos acertar seus horários e seu uniforme. Você não pode vir com essas roupas.

--Já concordei em usar o uniforme.--ela o lembrou. Ele assentiu em silêncio. Lembrou-se da longa e inútil discussão com ela no dia anterior. Ela a princípio relutara em usar o tal uniforme padrão do estabelecimento, dizendo ser pouco apropriado para ela. Mas era o padrão. Ela teve que aceitar.

--Bom, o problema são os horários Petra. Só tenho como encaixa-la á noite, onde temos mais movimento.--onde haveria bêbados, tarados e por aí vai, pensou.

Ela seria um alvo novo e fácil. Ela mordeu o lábio, pensativa.

--Tudo bem. Estarei aqui pela noite então.--concordou.

--Como está seu pai?-ele quis saber

--Ah, melhorou um pouco--disse, pouco animada. O velho Bob sofria do coração. No últimos seis meses já havia tido dois infartos. Deus sabe se o próximo seria fatal ou não.

--Sabe que pode contar comigo, não é?

--Sei, Willie. É por isso que estou aqui.--contrapôs, suspirando--Posso ir agora?

--Claro. Você só começa ás nove.

--Até lá.

Petra guardou sua bicicleta ao lado da igreja e entrou na pequena casa sagrada. Estava vazia. Podia até ouvir seus passos. Sentou-se e se benzeu. Olhou ao redor. Haviam estatuetas e imagens de anjos por toda a igreja. Ela deu um meio sorriso, e escondeu o rosto entre as mãos. Estava com medo. Seu pai estava tão doente, e agora a forçara a trabalhar naquele lugar. Estava com raiva. Raiva do que a levara até ali. Sentia que estavam lhe dando as costas. Que tudo em que ela acreditara até hoje... haviam se esquecido dela.

Enxugou uma única lágrima que deslizou por seu rosto, e levantou, deixando parte de sua fé pra trás.

O sol já estava se pondo quando ela saiu da igreja, caminhou até sua bicicleta. E parou, sentindo algo inexplicável que a fez virar-se.

Então, o viu.

Ele estava recostado numa harley, fumando um cigarro. Usava uma calça clara e rasgada, um coturno e uma camisa preta de mangas longas. Mas ele havia enrolado as mangas até o cotovelo. Seu longo cabelo esvoaçava de leve com o vento frio de outono que soprava.

Petra engoliu em seco.

Aquele cara não era dali. Era um forasteiro. Ninguém se parecia com ele. Nunca vira um tipo daquele. Balançou a cabeça, tentando "acordar". Aquilo não importava. Ele não era importante. Ela disse a si mesma, subindo em sua bicicleta e indo pra casa.

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Ele tragou uma última vez o cigarro, antes de jogá-lo no chão e pisar. Olhou para o céu, e respirou fundo. Enfim, seu tempo chegara, depois de tantos anos... ela estava ali. Esperando-o. Pronta pra ele. Baixou a cabeça, dando uma risada seca. É, era ela. E ela era uma caipira, magrela, e se vestia mal. Deus, muito mal. Não que isso fizesse alguma diferença pra ele, mas ter algo mais belo seria mais agradável de se trabalhar.

Subiu em sua moto, pôs o capacete, e acelerou.

O começo do fim, finalmente estava ao alcance de suas mãos.

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Petra entrou em casa e logo ouviu o ruído da televisão ligada. Futebol. Um dos hobbies secretos do pai. Guardou o casaco, e a bolsa e foi ao seu encontro. O pai cochilava na poltrona. Sorriu, e passou a mão em sua cabeça, fazendo-o abrir os olhos. Ao ver quem era, ele retribuiu o sorriso.

--Olá, querida.--murmurou.

--Dormindo de novo em frente a TV, pai?--ela o repreendeu bem humorada.

--Sabe muito bem o quanto sou teimoso.--ele disse, rindo.

--É, eu sei bem como é...-ela afirmou, arrumando o que encontrava fora do lugar.

--Deixe isso pra mais tarde, Petra.--ele sugeriu. Ela negou com a cabeça.

--Não posso, pai. Mais tarde tenho que trabalhar. Willie mudou meus horários. Agora sou a garçonete da noite.--ela explicou, fazendo uma pequena careta com essa constatação.--Preciso deixar tudo arrumado e pronto para o senhor.

--Eu posso fazer isso. Eu não sou nenhum inválido. Você devia estar descansando!

--Não preciso descansar. Você precisa.

--Claro, claro... Na certa lavar um prato me mataria.

Bob falou irônico. Petra suspirou.

--Pai, não tem graça. Facilite as coisas pra mim, ok? Eu não estou reclamando, nunca reclamei de cuidar de tudo aqui. Eu gosto de me sentir útil.

--E eu não gosto que você viva pra mim.

--E lá vamos nós de novo...

--Acredite em mim, querida. Esse emprego vai lhe fazer bem.

--Bom, isso fica ao meu critério concluir. Você está me empurrando pra algo que não quero, tudo por que...--e parou de falar, sentindo o choro próximo.

--Por que eu posso morrer a qualquer momento, Petra. Pode ser agora, pode ser amanhã... mas eu sei, você sabe... Isso é inevitável.--ele continuou por ela.--E eu morreria tranquilo em saber que você está num caminho certo e só seu.

Petra observou a lógica do pai. Uma lógica que ela não conseguia entender. E nem queria.

--Eu vou tomar um banho, meu turno começa daqui a algumas horas.--ela encerrou a conversa, subindo as escadas.

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