Capítulo CINCO

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Caminharam em silêncio durante um bom tempo, até que chegaram próximo a um pequeno lago. Perto dele, havia um grande salgueiro antigo. Nicko recostou-se nele, observando Petra parada na beira do lago de costas para ele.

--No que está pensando Petra?

--Em você. No porque de me trazer pra cá.

--Mas foi você quem me trouxe. Eu não conheço nada aqui.—ele falou.

--Não era sobre isso que estava falando. Eu quis dizer, que estava pensando no porque de me chamar pra dar uma volta com você.

--O que tem demais nisso?

--Nada, eu só... Achei que não quisesse esse tipo de contato comigo.

--Que tipo de contato?

--Ai, Nicko... não se faça de bobo. Não achei que quisesse falar comigo. Bancar meu amigo. Não precisa fingir que se importa só por que deu uma surra em alguns bêbados por mim.

--Não estou fingindo nada.—ele deu de ombros. Ela se virou para olhá-lo.

--Então o que?

--Só queria sair dali, está bem?!—ele ralhou—Não gosto de me sentir num reality show... ou num desses programas idiotas de perguntas e respostas.

--Ah... entendo.

--Não, não entende.

--Você pode pensar que só porque moro numa cidade pequena, não entendo das coisas. Mas não sou tão ignorante assim.—ela discursou, cruzando os braços.—Agradeceria muito se parasse de me tratar como tal.

--E como quer que eu a trate?

--Ora, não sei. Só não assim.

--Isso não é muito objetivo.—ele admitiu, sarcástico. Petra revirou os olhos.

--Você veio de onde? De outro mundo?!—ela rosnou. Ele sorriu, amargo.

--Quase isso.

Ela balançou a cabeça, ignorando-o.

--E você, Petra, para onde quer ir?

--Como assim?

--Quer viver e morrer aqui?

--Eu amo esse lugar, meu pai está aqui, por que iria embora?

--Talvez porque você só viu metade da metade do que tem por aí. E um dia, seu pai vai morrer... e você vai estar sozinha e cheia de arrependimentos.

Petra mal percebeu que estava chorando ao ouvir essas palavras. Mas ao sentir algo molhando seu pescoço, percebeu que ele estava certo, e ficou envergonhada por se sentir assim. Virando-se lhe deu as costas e saiu correndo.

Era tarde quando acordou no dia seguinte. Olhou para sua janela aberta e franziu ao ouvir risadas. Levantou e caminhou até ela. Ao ver a cena, mal acreditou.

Seu pai estava aos risos com Nicko.

E não era só isso, ambos estavam suados, e cheios de serragem, e aos seus pés a origem dela. Madeiras. Pedaços e mais pedaços. Petra ficou vermelha de raiva, e saiu do quarto em disparada.

Ao sair pelas portas do fundo, hesitou ao ter um vislumbre completo das costas de Nicko. Ele não era tão magro quanto pensara. Era definido. Suas costas eram lindas. A boca de Petra ficou seca de repente. E sentiu suas faces queimando. Como se sentisse ser observado, Nicko virou, e a fitou sério. O olhar dela percorreu seu abdômen retesado até a barra de sua calça jeans velha.

--Bom dia Petra.—ele a cumprimentou. Seu pai ergueu o olhar só notando a presença da filha naquele momento.

--Olá, querida!—acenou. Petra umedeceu os lábios e soltou o ar.

--O que ele está fazendo aqui?!—ela quis saber. O pai franziu.

--Nossa, Petra. Não seja mal educada. Nicko está me ajudando a terminar algumas coisas que não pude.

--Pai, você perdeu o juízo?!—ela balbuciou, indo até ele.—Está quente aqui fora, e você está fazendo muito esforço! Acabou de ter dois infartos!

--Estou me sentindo muito bem, na verdade.—ele a corrigiu—Além disso, o rapaz aqui fez praticamente tudo!—Bob gracejou. Petra fuzilou Nicko que a olhava sem pudor, com as mãos no bolso.

--Posso apostar que fez.—ela disse.

--Vamos entrar?—o pai sugeriu—Estou faminto!

Petra, Nicko e Bob sentaram-se a mesa para comer. 

--Não vai comer, rapaz?—Bob perguntou a Nicko.

--Não estou com fome.

--Não?!—espantou-se. Petra olhou-o de soslaio, realmente aquilo era estranho. Desde que conhecera Nicko, não o vira comer nada.—Bom, o que pretende fazer daqui pra frente?

--Humm... decidi ficar mais alguns dias aqui em Colibre.

--Isso é ótimo!

--Por que?!—Petra exclamou. O pai a censurou com o olhar.

--Isso não é da nossa conta, Petra. Ele é livre pra ficar aonde quiser e por quanto tempo lhe for conveniente.

Petra levantou-se, indo para pia lavar os pratos. Ficou calada por minutos, imersa em seus próprias pensamentos turbulentos. Até Nicko parar ao seu lado, com um pano de prato.

--Não preciso de ajuda.

--Ah, claro... esqueci que você não precisa de ninguém... é egocêntrica demais pra isso.

Petra virou-se vermelha.

--Não sou egocêntrica.

--Ah, não? Inventaram outro nome pro que você é?!

--Por que não vai embora?—ela ralhou—Por que está aqui ajudando meu pai?!

--Talvez eu seja uma boa pessoa.

--Boa pessoa?!—Petra gargalhou com sarcasmo—Tente essa pra cima de outra.

O olhar de Nicko ficou sombrio, e ele se aproximou dela. Petra manteve a postura, apesar de um pouco apreensiva. Sustentou o olhar, levantando a cabeça.

--Talvez eu devesse tentar com alguém mais tolo, então.—Nicko sussurrou, dando de ombros—Ou talvez eu esteja falando a verdade.

--O que não é nem por um segundo uma possibilidade séria...

--Tem razão Petra... eu não sou uma boa pessoa.—ele concordou—Mas você deveria me conceder o benefício da dúvida. É o certo, não?

--Religiosamente falando? Sim.

Nicko deu um meio sorriso, balançando a cabeça e se afastando dela.

--Você é uma caixinha de surpresas semi-aberta.

Ela franziu.

--Gostaria muito de abri-la por completo.—continuou. Petra o olhou sem entender.—Mas vamos aceitar, garota, você sempre será uma caipira.

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