Capítulo DOZE

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Sentou-se á mesa na cozinha e começou a comer, indiferente a presença de Nicko.

--Sinto muito pelo que fiz.—ele disse—A machuquei?

Petra limitou-se a negar com a cabeça.

--Vai me ignorar mesmo, não é?

--O que você acha?!—ela ralhou, fungando. Nicko se aproximou dela.

--Acho que você não conseguiria. E nem pode.

--Você é muito convencido.

--Você provocou isso. Estamos nessa situação por sua causa.

--Vai me condenar por isso até quando?—ela falou olhando para o teto.

--Até que tudo isso acabe.

--O que quer dizer com isso?—ela quis saber. Nicko a puxou pela mão.

--Vamos dar uma volta.

--Mas são duas da manhã!

--Só vamos até o lago. E você estaria segura comigo. Assim na Terra como no Céu.—ele riu consigo mesmo ciente da ironia da situação.

O lago estava lindo, iluminado pela lua. A noite estava fria. Petra se encolheu no agasalho, e notou que Nicko não usava nada quente, e aparentava não estar com frio mesmo assim.

--Estou congelando.—ela comentou—Você não está?

--Não sinto nada.

--Nada?

--Sensações físicas não fazem parte de minha natureza.

--Isso é tão confuso pra mim. Ainda não acredito que isso esteja acontecendo. Que seja real. Isso parece um sonho.

--Sonho é uma ilusão reprimida que vocês humanos possuem. A realidade é mais crua.

--E cruel.—ela completou.

--Sim.—ele concordou, olhando para o lago, pensativo.

--O que você quis dizer com "até que tudo acabe"?

--Vou voltar para o céu em breve Petra.

--Voltar?! Mas pensei que tivesse sido expulso.

--Não fui. Não cometi nenhum pecado para isso. Caí por uma razão.

--Qual?

--Não sei ao certo, mas você faz parte disso. Esperei mais de um século para lhe encontrar.

--Isso é loucura.

--É tolice ser enviado a Terra contra sua vontade para acabar preso a uma humana?! Ele deve ter uma boa razão.

--Você não perguntou o por que?

--Seria estar questionando. E não me permito tal burrice.

--Você foi enviado aqui a cegas, Nicko. Você merecia uma explicação.

--Estamos falando de Deus, Petra.

--Você simplesmente baixou a cabeça e aceitou?

--Fui sábio.

--Foi burrice. É sua vida.

--Estou aqui por você, Petra.—Nicko insistiu.

--E por que? O que eu tenho haver com isso?! Veja Nicko, você está equivocado.

Nicko comprimiu os lábios, cansado. Ele sabia o por que de precisar dela. Mas não podia contar-lhe. Não agora. Só não entendia o por que Dele ter permitido que ela os unisse. Seria uma mudança?

Ou um castigo.

--Você não é um anjo caído. Anjos caídos são os que foram expulsos, foi isso que entendi. O que quer dizer que você ainda é o que sempre foi.

--Então por que me sinto menor do que jamais me senti?

Petra o olhou com tristeza e foi até ele. Devagar, tocou em seu rosto, acariciando. Nicko fechou os olhos.

--Todos nós passamos por provações.—ela sussurrou—E se voltar para o Céu for tão certo quanto diz. Você será recompensado, não é?

--É incerto Petra.

--Mas você disse...

--Antes não havia essa união.—ele lembrou-a—Talvez meu destino mude.

--Eu sinto muito. Mas o que tiver que acontecer não será injusto. Você está fazendo tudo certo. Ele deve estar vendo isso.

--Há muito temo que não.

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--Oh,Senhor.—Gremory arfou ao ouvir a revelação. Baixou os olhos e lamentou.

Ouviu nesse exato momento o retorno de Nithael. Levantou e foi ao seu encontro, rezando para não haver um tremor incontrolável em Colibre ao lhe contar a nova revelação.

Encontrou Nicko perto da escada. Estava com uma expressão mais leve, mesmo assim, parecia carregar todo peso do mundo nas costas. Gremory lamentou em seu âmago pelo que estava prestes a dizer.

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Petra não estava com sono, depois que Nicko a havia deixado em casa, ficou pensando em tudo que ele falara. Alguma coisa ali estava errada. Se Nicko em breve estaria de volta ao céu, e esperou um século pra isso, e ela tinha algo haver, significava que ela o ajudaria a voltar pra casa. Mas como?

Balançou a cabeça, inconformada. Ela era uma humana. Uma simples mortal. Nada poderia fazer. Mas agora, ela tinha um anjo da guarda. Seu próprio anjo. Sorriu, atordoada. Anjos... aquilo era surreal. Mas ela tinha esbarrado em um. Ou um tinha esbarrado nela.

Suspirou, lembrando de Nicko. Ele era tão diferente do que imaginava sobre anjos. Quando era criança, pensava em anjos como seres sem rostos, e que fossem pontinhos de luz. Um pouco mais tarde, passou a imaginá-los como homens pequenos e com cara de bebês. E hoje, não sabia o que pensar. Será que Nicko sempre fora assim?

Franziu.

Nicko dissera estar aqui há 131 anos esperando-a. Eram treze décadas.

Um século.

Eram dias incontáveis. Uma eternidade. Mas ele a esperou. E aquilo tinha que ter um motivo. Um bom motivo. Um motivo justo.

Desceu da cama e se ajoelhou, fechando os olhos e rezando.

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