• 40 - Dor

202 14 23
                                    

No final das contas tudo acabou bem. Os policiais acataram meu pedido de não prende-lo antes de irem a casa de Mary para que ela prestasse o depoimento e fizesse uma denúncia. Killian não precisou de advogado, pois Amaury não prestou queixa, mas teve que pagar uma pequena fiança por agressão física, devido às gravações que as pessoas do escritório mostraram pra polícia. Para o nosso azar ou talvez sorte, o marginal não morreu, só quebrou uma costela e o nariz, além do rosto inchado. Por pouco Killian não o deixou cego.

Ao irmos visitar Mary, passamos mais de uma hora ao seu lado, lhe dando apoio e carinho. David ficou responsável por passar a noite ao lado dela e eu fiquei responsável por chamar um uber para casa já que Killian não estava com cabeça para dirigir. Ele me pediu um tempo sozinho e eu o entendi perfeitamente. Consegui convence-lo de que estava muitíssimo bem, por isso não precisaria ir a um hospital. Nada que um pouco de analgésicos e pomada não resolvessem.

No momento estou estirada em meu sofá pensando no que Killian está fazendo agora. Será que ele está bebendo? Provavelmente. Talvez ele possa estar usando cocaína... Acho pouco provável, mas ainda assim não desconfio. Ou eu posso estar completamente errada e ele está sentado embaixo do chuveiro chorando e se lamentando pela irmã.
Tudo o que eu sei é que gosto do Killian que está ao lado da Emma e gosto da Emma quando está ao lado de Killian. Para ele funcionar, precisamos estar juntos e o mesmo equivale para mim, então por que ele quis ficar sozinho? Eu poderia deixá-lo pensar sozinho no quarto enquanto ficava na sala.

Pelo visto não fui compreensiva como achei que tivesse sido.

Sou péssima!

— Preciso de um banho – suspiro e me levanto, arrancando as peças de roupas e as jogando sobre o chão.

Ao entrar no banheiro, abro o chuveiro e me enfio na água quente. Fecho os olhos e tento preencher minha mente com bons momentos de Killian e eu. Por um tempo funciona. Sinto meus músculos relaxarem e meu coração se acalmar. Mas de repente, um frio gigantesco na barriga causa-me calafrios. Como uma sensação ruim. Como se algo estivesse errado. Abro os olhos e desligo o chuveiro, apanhando um roupão e o vestindo, enquanto caminho pra sala em busca do telefone. Disco o número de Killian diversas vezes, mas todas caem na caixa postal. Tento ligar pra casa de sua família e sua mãe atende, dizendo que ele não deu sinal de vida, mas que provavelmente estaria bem. Disse que eu não deveria me preocupar. Mas o calafrio que ainda sinto, me diz o contrário, por isso decido ir até a boate.

Após me aprontar rapidamente, vou andando. Entro pelos fundos, no qual estava aberto, e sigo pelas escadas, apreciando a boate vazia e escura. Assim que me aproximo da entrada, as luzes acesas me tranquilizam. Abro um meio sorriso e caminho pelo carpete, não o encontrando na sala.

— Killian?

Sigo para a cozinha, e nada além das portas abertas dos armários chamam minha atenção. As fecho e vou pro corredor, entrando no banheiro, no qual também está vazio. Decido ir de uma vez para o seu quarto, no qual a porta está entreaberta. A empurro devagar enquanto o busco com o olhar.

— Você está aí?

Um ambiente vazio é tudo o que há. Olho pra porta do seu banheiro e ela está fechada, entretanto, a luz está acesa. Toco a maçaneta e tento abri-la, mas algo pesado me impede. Faço um pouco mais de força e consigo abri-la, ouvindo algo tombar sobre o chão. Assim que entro pela fresta, vejo o que caiu. O corpo de Killian. Seus olhos estão fechados e uma garrafa vazia de vodka está presa aos seus dedos. Pela primeira vez percebo que sua pele está mais amarelada que o normal.

Meus batimentos cardíacos aumentam em disparada, pois pelo seu estado, ele não está somente desmaiado. Há algo de errado.

— Killian! – grito batendo em seu corpo. Sinto lágrimas encherem meus olhos, mas tento afastá-las para enxergar melhor – acorda, por favor – choramingo e pego seu pulso, na tentativa de sentir seus batimentos. Eles estão lentos pra cacete. Mal os sinto – porra!

Busco seu celular em seu jeans e disco a emergência com tremores nos dedos, assim como o restante do meu corpo. Digo as informações necessárias e desligo, apanhando suas mãos de olhos fechados enquanto tento preencher minha cabeça com pensamentos positivos. Tento pensar que Killian ficará bem e assim, ficaremos bem.

Os minutos que passam parecem horas. Ao vê-los entrar, me afasto bruscamente do corpo, para que eles possam colocá-lo em uma maca. Os acompanho até a ambulância. Durante o percurso rápido até o hospital, tento manter a respiração calma ao vê-los examinar Killian.
Assim que dou entrada na recepção, a moça pede para que eu preencha um formulário no qual pede informações pessoais do paciente. Nome completo, número do CPF e do RG, nome do plano de saúde e muitas outras coisas das quais eu não faço ideia. Eu não tive tempo o bastante para conhecê-lo tanto assim. Não tivemos tempo. O desespero me sobe a cabeça e tudo o que eu faço é largar a merda daquela prancheta e correr para a ala cirúrgica, sendo barrada por dois enfermeiros. Grito e berro para que me digam se ele está bem, mas eles apenas pedem para eu me acalmar que logo o médico dará notícias. Uma moça gentil se aproxima de mim com um copo de café, mas não o pego. Eu não quero café. Não quero ficar sentada ou parada, eu só quero saber como ele está. Eu só preciso saber.

— Porra! – grito e em seguida dou um soco na parede.

Imagens de nós dois invadem minha mente. Cada maldito segundo de nós. Nosso primeiro beijo, a primeira vez que senti seu corpo sob o meu, o primeiro eu te amo. Tudo. Killian está em tudo o que eu vejo. Eu o sinto por completo, como uma doença em sua fase terminal. E por mais que o tenha, eu preciso de mais. Eu preciso dele. Agora.

— É, estava feio, não seria possível. Há uns três poderíamos ter o salvo – a voz de um cirurgião que sai da sala de cirurgia junto a outro, chama a minha atenção. Meus olhos vão diretamente para os seus e ele se cala. Tirando a touca cirúrgica e olhando brevemente para os enfermeiros e o amigo cirurgião que estava ao seu lado, percebe que eu sou a acompanhante do paciente – a senhora é da família?

— Sou a namorada – disparo.

— Eu sinto muito. Fizemos todo o possível, mas ele estava em uma etapa alarmante de cirrose hepática, talvez se tive...

Um silêncio ensurdecedor preenche meus ouvidos. Só ouço as batidas do meu coração, que emanam por todo meu corpo. Nada faz sentido. Nada. As pessoas. As bocas. As formas. Os sentimentos. Killian. Ele estava bem há muitas horas. Ele estava com energia. Nunca reclamou de dores. Nunca percebi nenhum sintoma. Ele estava meio amarelado, mas achei que não fosse nada. O médico está mentindo. Eu tenho certeza, e é por isso que corto o ar com uma gargalhada estrondante. Eles se calam. Me olham como se eu fosse um cachorrinho com a pata quebrada. Eles não riem junto a mim. Eles sentem pena. Talvez compaixão. Eles não fazem nada até a minha risada se transformar em um turbilhão de sentimentos em puro êxtase. Eu choro como nunca havia chorado na vida, e a dor que parte o meu coração é tão intensa que minhas pernas fraquejam. Sou colocada em uma cadeira na qual me derramo. Me misturo a ela e a toda a dor que outras pessoas já sentiram ao sentar-sem ali após ouvirem uma notícia dessas.

Enfim eu entendo. Enfim eu percebo a verdade.

Killian realmente se foi. Pra sempre.

Hot as hell (CS)Onde histórias criam vida. Descubra agora