XVIII. Da infâmia

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     A infâmia um sinal da improbação pública, que priva o culpado da consideração, da confiança que a sociedade tinha nele e dessa espécie de fraternidade que une os cidadãos de um mesmo país.

     Como os efeitos da infâmia não dependem absolutamente das leis, é mister que a vergonha que a lei inflige se baseie na moral, ou na opinião pública. Se se tentasse manchar de infâmia uma ação que a opinião não julga infame, ou a lei deixaria de ser respeitada, ou as idéias aceitas de probidade e de morai desapareceriam, mau grado todas as declamações dos moralistas, sempre impotentes contra a força do exemplo.

     Declarar infames ações indiferentes em si mesmas, é diminuir a infâmia das que efetivamente merecem ser designadas desse modo.

     Bem necessário é evitar que se punam com penas corporais e dolorosas certos delitos fundados no orgulho e que fazem dos castigos uma glória. Tal é o fanatismo, que só pode ser reprimido pelo ridículo e pela vergonha.
Se se humilhar à orgulhosa vaidade dos fanáticos perante uma grande multidão de espectadores, devem esperar-se felizes efeitos dessa pena, pois que a própria verdade tem necessidade dos maiores esforços para se defender, quando é atacada pela arma do ridículo.

     Opondo assim a força à força e a opinião à opinião, um legislador esclarecido dissipa no espírito do povo a admiração que lhe causa um falso princípio, cujo absurdo lhe foi dissimulado com raciocínios especiosos.

     As penas infamantes devem ser raras, porque o emprego demasiado freqüente do poder da opinião enfraquece a força da própria opinião. A infâmia não deve cair tão pouco sobre um grande número de pessoas ao mesmo tempo, porque a infâmia de um grande número não é mais, em breve, a infâmia de ninguém.

     Tais são os meios de harmonizar as relações invariáveis das coisas e de atender à natureza, que, sempre ativa e jamais sujeita aos limites do tempo, destrói e revoga todas as leis que se afastam dela. Não é só nas belas-artes que é preciso seguir fielmente a natureza: as instituições políticas, ao menos aquelas que têm um caráter de sabedoria e elementos de duração, se fundam na natureza; e a verdadeira política não é outra coisa senão a arte de dirigir para o mesmo fim de utilidade os sentimentos imutáveis do homem.

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