XVII. Do banimento e das confiacações

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     Aquele que perturba a tranqüilidade pública, que não obedece às leis, que viola as condições sob as quais os homens se sustentam e se defendem mutuamente, esse deve ser excluído da sociedade, isto é, banido.

     Parece-me que se poderiam banir aqueles que, acusados de um crime atroz, são suspeitos de culpa com maior verossimilhança, mas sem estar plenamente convencidos do crime.

     Em casos semelhantes, seria mister que uma lei, a menos arbitrária e a mais precisa possível, condenasse ao banimento aquele que pusesse a nação na fatal alternativa de fazer uma injustiça ou de temer um acusado. Seria mister, igualmente, que essa lei deixasse ao banido o direito sagrado de poder a todo instante provar sua inocência e recuperar os seus direitos. Seria mister, enfim, que houvesse razões mais fortes para banir um cidadão acusado pela primeira vez do que para condenar a essa pena um estrangeiro ou um homem que já tivesse sido chamado à justiça.

     Mas, deve aquele que se bane, que se exclui para sempre da sociedade de que fazia parte, ser ao mesmo tempo privado dos seus bens? Essa questão pode ser encarada sob diferentes aspectos.

     A perda dos bens é uma pena maior que a do banimento. Deve, pois, haver casos em que, para proporcionar a pena ao crime, se confiscarão todos os bens do banido. Em outras circunstâncias, só será despojado de uma parte de sua fortuna; e, para certos delitos, o banimento não será acompanhado de nenhuma confiscação. O culpado poderá perder todos os seus bens, se a lei que pronuncia o banimento declara rompidos todos os laços que o ligavam à sociedade; porque desde então o cidadão está morto, resta somente o homem; e, perante a sociedade, a morte política de um cidadão deve ter as mesmas conseqüências que a morte natural.

     Segundo essa máxima, dir-se-á talvez que é evidente que os bens do culpado deveriam reverter para os herdeiros legítimos, e não para o príncipe; não é nisso, porém, que me apoiarei para desaprovar as confiscações.
Se alguns jurisconsultos sustentaram que as confiscações punham um freio às vinganças dos particulares banidos, tirando-lhes o poder de ser nocivos, é que não refletiram que não basta uma pena produzir algum bem para ser justa. Uma pena só é justa quando necessária. Um legislador não autorizará nunca uma injustiça útil, se quer prevenir as invasões da tirania, que vela sem cessar, que seduz e abusa pelo pretexto falaz de algumas vantagens momentâneas, e que faz deperecer em pranto e na miséria um povo cuja ruína prepara, para espalhar a abundância e a felicidade sobre uma minoria de homens privilegiados.

     O uso das confiscações põe continuamente a prêmio a cabeça do infeliz sem defesa, e faz o inocente sofrer os castigos reservados aos culpados. Pior ainda, as confiscações podem fazer do homem de bem um criminoso, pois o levam ao crime, reduzindo-o à indigência e ao desespero.

     E, além disso, não há espetáculo mais hediondo que o de uma família inteira coberta de infâmia, mergulhada nos horrores da miséria pelo crime do seu chefe, crime que essa família, submetida à autoridade do culpado, não poderia prevenir, mesmo que tivesse os meios para tanto.

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