VI. Da prisão

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     Outorga-se, em geral, aos magistrados encarregados de fazer as leis, um direito contrário ao fim da sociedade, que é a segurança pessoal; refiro-me ao direito de prender discricionariamente os cidadãos, de tirar a liberdade ao inimigo sob pretextos frívolos, e, por conseguinte de deixar livres os que eles protegem, mau grado todos os indícios do delito.

     Como se tornou tão comum um erro tão funesto? Embora a prisão difira das outras penas, por dever necessariamente preceder a declaração jurídica do delito, nem por isto deixa de ter, como todos os outros gêneros de castigos, o caráter essencial de que só a lei deve determinar o caso em que é preciso empregá-la.

     Assim, a lei deve estabelecer, de maneira fixa, por que indícios de delito um acusado pode ser preso e submetido a interrogatório.

     O clamor público, a fuga, as confissões particulares, o depoimento de um cúmplice do crime, as ameaças que o acusado pode fazer, seu ódio inveterado ao ofendido, um corpo de delito existente, e outras presunções semelhantes, bastam para permitir a prisão de um cidadão. Tais indícios devem, porém, ser especificados de maneira estável pela lei, e não pelo juiz, cujas sentenças se tornam um atentado à liberdade pública, quando não são simplesmente a aplicação particular de uma máxima geral emanada do código das leis.

     À medida que as penas forem mais brandas, quando as prisões já não forem a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade penetrarem nas masmorras, quando enfim os executores impiedosos dos rigores da justiça abrirem os corações à compaixão, as leis poderão contentar-se com indícios mais fracos para ordenar a prisão.

     A prisão não deveria deixar nenhuma nota de infâmia sobre o acusado cuja inocência foi juridicamente reconhecida. Entre os romanos, quantos cidadãos não vemos, acusados anteriormente de crimes hediondos, mas em seguida reconhecidos inocentes, receberem da veneração do povo os primeiros cargos do Estado? Porque é tão diferente, em nossos dias, a sorte de um inocente preso?

     É porque o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a idéia da força e do poder, em lugar da justiça; é porque se lançam, indistintamente, na mesma masmorra, o inocente suspeito e o criminoso convicto; é porque a prisão, entre nós, é antes um suplício que um meio de deter um acusado; é porque, finalmente, as forças que defendem externamente o trono e os direitos da nação estão separadas das que mantêm as leis no interior, quando deveriam estar estreitamente unidas.

     Na opinião pública, as prisões militares desonram bem menos do que as prisões civis. Se as tropas do Estado, reunidas sob a autoridade das leis comuns, sem contudo dependerem imediatamente dos magistrados, fossem encarregadas da guarda das prisões, a mancha de infâmia desapareceria ante o aparato e o fausto que acompanham os corpos militares; porque, em geral, a infâmia, como tudo o que depende das opiniões populares, se liga mais à forma do que ao fundo.

     Mas, como as leis e os costumes de um povo estão sempre atrasados de vários séculos em relação às luzes atuais, conservamos ainda a barbárie e as idéias ferozes dos caçadores do norte, nossos selvagens antepassados.

     Os nossos costumes e as nossas leis retardatárias estão bem longe das luzes dos povos. Ainda estamos dominados pelos preconceitos bárbaros que nos legaram os nossos avós, os bárbaros caçadores do norte.

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