XXXI. Do contrabando

20 0 0
                                    

     O contrabando é um verdadeiro delito, que ofende o soberano e a nação, mas cuja pena não deveria ser infamante, porque a opinião pública não empresta nenhuma infâmia a essa espécie de delito.

     Porque, pois, o contrabando, que é um roubo feito ao príncipe, e por conseguinte à nação, não acarreta a infâmia sobre aquele que o exerce? E que os delitos que os homens não consideram nocivos aos seus interesses não afetam bastante para excitar a indignação pública. Tal é o contrabando. Os homens, sobre os quais as conseqüências remotas de um ato só produzem impressões fracas, não vêem o dano que o contrabando pode causar-lhes.

     Chegam mesmo, às vezes, a retirar dele vantagens momentâneas. Não vêem senão o mal causado ao príncipe, e, para recusarem estima ao culpado, só têm uma razão premente contra o ladrão, o falsário e alguns outros criminosos que podem prejudicá-los pessoalmente.

     Essa maneira de sentir é conseqüência do princípio incontestável de que todo ser sensível só se interessa pelos males que conhece.

     O contrabando é um delito gerado pelas próprias leis, porque, quanto mais se aumentam os direitos, tanto maior é a vantagem do contrabando; a tentação de exercê-lo é também tão forte quanto mais fácil é cometer essa espécie de delito, sobretudo se os objetos proibidos são de pequeno volume, e se são interditos numa tão grande circunferência de território que a extensão deste torne difícil guardá-lo.

     O confisco das mercadorias proibidas, e mesmo de tudo o que se acha apreendido com objetos de contrabando, é uma pena justíssima. Para torná-lo mais eficaz, seria preciso que os direitos fossem pouco consideráveis; pois os homens só se arriscam na proporção do lucro que o êxito possa proporcionar-lhes.

     Será, porém, o caso de deixar impune o culpado que não tem nada que perder? Não. Os impostos são parte tão essencial e tão difícil numa boa legislação, e estão de tal modo comprometidos em certas espécies de contrabando, que tal delito merece uma pena considerável, como a prisão e mesmo a servidão, mas uma prisão e uma servidão análogas à natureza do delito.

     Por exemplo, a prisão de um contrabandista de fumo não deve ser a do assassino ou a do ladrão; e, sem dúvida, o castigo mais conveniente ao gênero do delito seria aplicar à utilidade do fisco a servidão e o trabalho daquele que pretendeu fraudar-lhe os direitos.

Dos Delitos e Das PenasOnde histórias criam vida. Descubra agora