XVI. Da pena de morte

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     Ante o espetáculo dessa profusão de suplícios que jamais tornaram os homens melhores, eu quero examinar se a pena de morte é verdadeiramente útil e se é justa num governo sábio.
Quem poderia ter dado a homens o direito de degolar seus semelhantes? Esse direito não tem certamente a mesma origem que as leis que protegem.

     A soberania e as leis não são mais do que a soma das pequenas porções de liberdade que cada um cedeu à sociedade. Representam a vontade geral, resultado da união das vontades particulares. Mas, quem já pensou em dar a outros homens o direito de tirar-lhe a vida? Será o caso de supor que, no sacrifício que faz de uma pequena parte de sua liberdade, tenha cada indivíduo querido arriscar a própria existência, o mais precioso de todos os bens?

     Se assim fosse, como conciliar esse princípio com a máxima que proíbe o suicídio? Ou o homem tem o direito de se matar, ou não pode ceder esse direito a outrem nem à sociedade inteira. A pena de morte não se apoia, assim, em nenhum direito. É uma guerra declarada a um cidadão pela nação, que julga a destruição desse cidadão necessária ou útil. Se eu provar, porém, que a morte não é útil nem necessária, terei ganho a causa da humanidade.

     A morte de um cidadão só pode ser encarada como necessária por dois motivos: nos momentos de confusão em que uma nação fica na alternativa de recuperar ou de perder sua liberdade, nas épocas de confusão, em que as leis são substituídas pela desordem, e quando um cidadão, embora privado de sua liberdade, pode ainda, por suas relações e seu crédito, atentar contra a segurança pública, podendo sua existência produzir uma revolução perigosa no governo estabelecido.

     Mas, sob o reino tranqüilo das leis, sob uma forma de governo aprovada pela nação inteira, num Estado bem defendido no exterior e sustentado no interior pela força e pela opinião talvez mais poderosa do que a própria força, num país em que a autoridade é exercida pelo próprio soberano, em que as riquezas só podem, proporcionar prazeres e não poder, não pode haver nenhuma necessidade de tirar a vida a um cidadão, a menos que a morte seja o único freio capaz de impedir novos crimes.

     A experiência de todos os séculos prova que a pena de morte nunca deteve celerados determinados a fazer mal. Essa verdade se apoia no exemplo dos romanos e nos vinte anos do reinado da imperatriz da Rússia, a benfeitora Izabel (13), que deu aos chefes dos povos uma lição mais ilustre do que todas as
brilhantes conquistas que a pátria só alcança ao preço do sangue dos seus filhos.
Se os homens, a quem a linguagem da razão é sempre suspeita e que só se rendem à autoridade dos antigos usos, se recusam à evidência dessas verdades, bastar-lhes-á interrogar a natureza e consultar o próprio coração para testemunhar os princípios que acabam de ser estabelecidos.

     O rigor do castigo causa menos efeito sobre o espírito humano do que a duração da pena, porque a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente afetada por uma impressão ligeira, mas freqüente, do que por um abalo violento, mas passageiro. Todo ser sensível está submetido ao império do hábito; e, como é este que ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer suas necessidades, é também ele que grava no coração do homem as idéias de moral por impressões repetidas.

     O espetáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um celerado é para o crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um homem privado de sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade. Essa volta freqüente do espectador a si mesmo: "Se eu cometesse um crime, estaria reduzido toda a minha vida a essa miserável condição", - essa idéia terrível assombraria mais fortemente os espíritos do que o medo da morte, que se vê apenas um instante numa obscura distância que lhe enfraquece o horror.

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