A terceira espécie de delitos que distinguimos compreende os que perturbam particularmente o repouso e a tranqüilidade pública: as querelas e o tumulto de pessoas que se batem na via pública, destinada ao comércio e à passagem dos cidadãos, e os discursos fanáticos que excitam facilmente as paixões de uma populaça curiosa e que emprestam grande força da multidão dos auditores e sobretudo um certo entusiasmo obscuro e misterioso, com poder bem maior sobre o espírito do povo do que a tranqüila razão, cuja linguagem a multidão não entende.
Iluminar as cidades durante a noite à custa do público; colocar guardas de segurança nos diversos bairros das cidades; reservar ao silêncio e à tranqüilidade sagrada dos templos, protegidos pelo governo, os discursos de moral religiosa, e as arengas destinadas a sustentar os interesses particulares e públicos às assembléias da nação, aos parlamentos aos lugares, enfim, onde reside a majestade soberana: tais são as medidas próprias para prevenir a perigosa fermentação das paixões populares; e são esses os principais objetos que devem ocupar a vigilância do magistrado de polícia.
Mas, se esse magistrado não age segundo leis conhecidas e familiares a todos os cidadãos; se pode, ao contrário, fazer ao seu capricho leis que julga serem necessárias, abre assim a porta à tirania, que ronda sem cessar em torno das barreiras que a liberdade pública lhe fixou e que só procura transpô-las.
Creio não haver exceção à regra geral de que os cidadãos devem saber o que precisam fazer para serem culpados, e o que precisam evitar para serem inocentes.
Um governo que tem necessidade de censores, ou de qualquer outra espécie de magistrados arbitrários, prova que é mal organizado e que sua constituição não tem força. Num país em que o destino dos cidadãos está entregue à incerteza, a tirania oculta imola mais vítimas do que o tirano mais cruel que age abertamente. Este ultimo revolta, mas não avilta.
O verdadeiro tirano começa sempre reinando sobre a opinião; quando é senhor dela, apressa-se a comprimir as almas corajosas, das quais tem tudo que temer, porque só se apresentam com o archote da verdade, quer no fogo das paixões, quer na ignorância dos perigos.
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Dos Delitos e Das Penas
No Ficción"Dos delitos e das penas" é uma obra que se insere no movimento filosófico e humanitário da segunda metade do século XVIII, ao qual pertencem os trabalhos dos Enciclopedistas, como Voltaire, Rousseau, Montesquieu e tantos outros. Na época havia...