XXIII. Que as penas devem ser proporcionadas aos delitos

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Interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes, mais ainda que os delitos mais funestos à sociedade sejam os mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, pois, ser mais fortes à medida que o delito é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum. Deve. pois, haver uma proporção entre os delitos e as penas.

Se o prazer e a dor são os dois grandes motores dos seres sensíveis; se, entre os motivos que determinam os homens em todas as suas ações, o supremo Legislador colocou como os mais poderosos as recompensas e as penas; se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade recebem o mesmo castigo, o homem inclinado ao crime, não tendo que temer uma pena maior para o crime mais monstruoso, decidir-se-á mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajosos; e a distribuição desigual das penas produzirá a contradição, tão notória quando freqüente, de que as leis terão de punir os crimes que tiveram feito nascer.

Se se estabelece um mesmo castigo, a pena de morte por exemplo, para quem mata um faisão e para quem mata um homem ou falsifica um escrito importante, em breve não se fará mais nenhuma diferença entre esses delitos; destruir-se-ão no coração do homem os sentimentos morais, obra de muitos séculos, cimentada por ondas de sangue, estabelecida com lentidão através mil obstáculos, edifício que só se pode elevar com o socorro dos mais sublimes motivos e o aparato das mais solenes formalidades.

Seria em vão que se tentaria prevenir todos os abusos que se originam da fermentação contínua das paixões humanas; esses abusos crescem em razão da população e do choque dos interesses particulares, que é impossível dirigir em linha reta para o bem público. Não se pode provar essa asserção com toda a exatidão matemática; pode-se, porém, apoiá-la com exemplos notáveis.

Lançai os olhos sobre a história, e vereis crescerem os abusos à medida que os impérios aumentam. Ora, como o espírito nacional se enfraquece na mesma proporção, o pendor para o crime crescerá em razão da vantagem que cada um descobre no abuso mesmo; e a necessidade de agravar as penas seguirá necessariamente igual progressão.

Semelhante à gravitação dos corpos, uma força secreta impele-nos sempre para o nosso bem estar. Essa impulsão só é enfraquecida pelos obstáculos que as leis lhe opõem. Todos os diversos atos do homem são efeitos dessa tendência interior. As penas são os obstáculos políticos que impedem os funestos efeitos do choque dos interesses pessoais, sem destruir-lhes a causa, que é o amor de si mesmo, inseparável da humanidade.

O legislador deve ser um arquiteto hábil, que saiba ao mesmo tempo empregar todas as forças que podem contribuir para consolidar o edifício e enfraquecer todas as que possam arruiná-lo.

Supondo-se a necessidade da reunião dos homens em sociedade, mediante convenções estabelecidas pelos interesses opostos de cada particular, achar-se-á um progressão de crimes, dos quais o maior será aquele que tende à destruição da própria sociedade. Os menores delitos serão as pequenas ofensas feitas aos particulares. Entre esses dois extremos estarão compreendidos todos os atos opostos ao bem público, desde o mais criminoso até ao menos passível de culpa.

Se os cálculos exatos pudessem aplicar-se a todas as combinações obscuras que fazem os homens agir, seria mister procurar e fixar uma progressão de penas correspondente à progressão dos crimes. O quadro dessas duas progressões seria a medida da liberdade ou da escravidão da humanidade ou da maldade de cada nação.

     Bastará, contudo, que o legislador sábio estabeleça divisões principais na distribuição das penas proporcionadas aos delitos e que, sobretudo, não aplique os menores castigos aos maiores crimes.

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