VII. Dos indicios do delito e da forma dos julgamentos

85 2 0
                                    

     Eis um teorema geral, que pode ser muito útil para calcular a certeza de um fato e, principalmente, o valor dos indícios de um delito:

     Quando as provas de um fato se apoiam todas entre si, isto é, quando os indícios do delito não se sustentam senão uns pelos outros, quando a força de várias provas depende da verdade de
uma só, o número dessas provas nada acrescenta nem subtrai à probabilidade do fato: merecem pouca consideração, porque, destruindo a única prova que parece certa, derrubais todas as outras.

     Mas, quando as provas são independentes, isto é quando cada indício se prova à parte, quanto mais numerosos forem esses indícios, tanto mais provável será o delito, porque a falsidade de uma prova em nada influi sobre a certeza das restantes.

     Não se admirem de ver-me empregar a palavra probabilidade ao tratar de crimes que, para merecerem um castigo, devem ser certos; porque, a rigor, toda certeza moral é apenas uma probabilidade, que merece, contudo, ser considerada como uma certeza, quando todo homem de bom senso é forçado a dar-lhe o seu assentimento, por uma espécie de hábito natural que resulta da necessidade de agir que é anterior a toda especulação.

     A certeza que se exige para convencer um culpado é, pois, a mesma que determina todos os homens nos seus mais importantes negócios.

     As provas de um delito podem distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas perfeitas são as que demonstram positivamente que é impossível que o acusado seja inocente. As provas são imperfeitas quando não excluem a possibilidade da inocência do acusado.

     Uma única prova perfeita é suficiente para autorizar a condenação; se se quiser, porém, condenar sobre provas imperfeitas, como cada uma dessas provas não estabelece a impossibilidade da inocência do acusado, é preciso que sejam em número muito grande para valerem uma prova perfeita, isto é, para provarem todas juntas que é impossível que o acusado não seja culpado.

     Acrescentarei ainda que as provas imperfeitas, às quais o acusado nada responde de satisfatório, embora deva, se é inocente, ter meios de justificar-se, se tornam por isso mesmo provas perfeitas.

     É, todavia, mais fácil sentir essa certeza moral de um delito do que defini-la exatamente. Eis o que me faz encarar como sábia a lei que, em algumas nações, dá ao juiz principal assessores que o magistrado não escolheu, mas que a sorte designou livremente; porque então a ignorância, que julga por sentimento, está menos sujeita ao erro do que homem instruído que decide segundo a incerta opinião.

     Quando as leis são claras e precisas, o dever do juiz limita-se à constatação do fato. Se são necessárias destreza e habilidade na investigação das provas de um delito, se se requerem clareza e precisão na maneira de apresentar o seu resultado, para julgar segundo esse mesmo resultado, basta o simples bom-senso: guia menos enganador do que todo o saber de um juiz acostumado a só procurar culpados por toda parte e levar tudo ao sistema que adotou segundo os seus estudos.

     Felizes as nações entre as quais o conhecimento das leis não é uma ciência.
Lei sábia e cujos efeitos são sempre felizes é a que prescreve que cada um seja julgado por seus iguais; porque, quando se trata da fortuna e da liberdade de um cidadão, todos os sentimentos inspirados pela desigualdade devem silenciar. Ora, o desprezo com o qual o homem poderoso olha para a vitima do infortúnio, e a indignação que experimenta o homem de condição medíocre ao ver o culpado que está acima dele por sua condição, são sentimentos perigosos que não existem nos julgamentos de que falo.

     Quando o culpado e o ofendido estão em condições desiguais, os juizes devem ser escolhidos, metade entre os iguais do acusado e metade entre os do ofendido, para contrabalançar assim os interesses pessoais, que modificam, mau grado nosso, as aparências dos objetos, e para só deixar falar a verdade e as leis.

     Igualmente justo é que o culpado possa recusar um certo número dos juizes que lhe forem suspeitos, e, se o acusado gozar constantemente desse direito, exercê-lo-á com reserva; porque de outro modo pareceria condenar-se a si mesmo.

     Sejam públicos os julgamentos; sejam-no também as provas do crime: e a opinião, que é talvez o único laço das sociedades, porá freio à violência e às paixões. O povo dirá: Não somos escravos, mas protegidos pelas leis. Esse sentimento de segurança, que inspira a coragem, eqüivale a um tributo para o soberano que compreende os seus verdadeiros interesses.

     Não entrarei em outros pormenores sobre as precauções que exige o estabelecimento dessas espécies de instituições. Para aqueles aos quais é necessário tudo dizer, tudo eu diria inutilmente.

Dos Delitos e Das PenasOnde histórias criam vida. Descubra agora