Quanto mais pronta for a pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais justa e útil ela será. Mais justa. porque poupará ao acusado os cruéis tormentos da, incerteza, tormentos supérfluos, cujo horror aumenta para ele na razão da força de imaginação e do sentimento de fraqueza.
A presteza do julgamento é justa ainda porque, a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige.
Se a prisão é apenas um meio de deter um cidadão até que ele seja julgado culpado, como esse meio é aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possível, suavizar-lhe o rigor e a duração. Um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo; e os mais antigos detidos têm direito de ser julgados em primeiro lugar.
O acusado não deve ser encerrado senão na medida em que for necessário para o impedir de fugir ou de ocultar as provas do crime. O processo mesmo deve ser conduzido sem protelações. Que contraste hediondo entre a indolência de um juiz e a angústia de um acusado! De um lado, um magistrado insensível, que passa os dias no bem-estar e nos prazeres, e de outro um infeliz que definha, a chorar no fundo de uma masmorra abominável.
Os efeitos do castigo que se segue ao crime devem ser em geral impressionantes e sensíveis para os que o testemunharam; haverá, porém, necessidade de que esse castigo seja tão cruel para quem o sofre? Quando os homens se reuniram em sociedade, foi para só se sujeitarem aos mínimos males possíveis; e não há país que possa negar esse princípio incontestável.
Eu disse que a presteza da pena é útil; e é certo que, quanto menos tempo decorrer entre o delito e a pena, tanto mais os espíritos ficarão compenetrados da idéia de que não há crimes sem castigo; tanto mais se habituarão a considerar o crime como a causa da qual o castigo é o efeito necessário e inseparável.
É a ligação das idéias que sustenta todo o edifício do entendimento humano. Sem ela, o prazer e a dor seriam sentimentos isolados, sem efeito, tão cedo esquecidos quanto sentidos. Os homens sem idéias gerais e princípios universais, isto é, os homens ignorantes e embrutecidos, não agem senão segundo as idéias mais vizinhas e mais imediatamente unidas. Negligenciam as relações distantes, e essas idéias complicadas, que só se apresentam ao homem fortemente apaixonado por um objeto, ou aos espíritos esclarecidos. A luz da atenção dissipa no homem apaixonado as trevas que cercam o vulgar. O homem instruído, acostumado a percorrer e a comparar rapidamente um grande número de idéias e de sentimentos opostos, tira do contraste um resultado que constitui a base de sua conduta, desde então menos incerta e menos perigosa.
É, pois, da maior importância punir prontamente um crime cometido, se se quiser que, no espírito grosseiro do vulgo, a pintura sedutora das vantagens de uma ação criminosa desperte imediatamente a idéia de um castigo inevitável. Uma pena por demais retardada torna menos estreita a união dessas duas idéias: crime e castigo. Se o suplício de um acusado causa então alguma impressão, e somente como espetáculo, pois só se apresenta ao espectador quando o horror do crime, que contribui para fortificar o horror da pena, já está enfraquecido nos espíritos.
Poder-se-ia ainda estreitar mais a ligação das idéias de crime e de castigo, dando à pena toda a conformidade possível com a natureza do delito, a fim de que o receio de um castigo especial afaste o espírito do caminho a que conduzia a perspectiva de um crime vantajoso. É preciso que a idéia do suplício esteja sempre presente no coração do homem fraco e domine o sentimento que o leva ao crime.
Entre vários povos, punem-se os crimes pouco consideráveis com a prisão ou com a escravidão num país distante, isto é, manda-se o culpado levar um exemplo inútil a uma sociedade que ele não ofendeu.
Como os homens não se entregam, a princípio, aos maiores crimes, a maior parte dos que assistem ao suplício de um celerado, acusado de algum crime monstruoso, não experimentam nenhum sentimento de terror ao verem um castigo que jamais imaginam poder merecer. Ao contrário, a punição pública dos pequenos delitos mais comuns causar-lhe-á na alma uma impressão salutar que os afastará de grandes crimes, desviando-os primeiro dos que o são menos.
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Dos Delitos e Das Penas
Non-Fiction"Dos delitos e das penas" é uma obra que se insere no movimento filosófico e humanitário da segunda metade do século XVIII, ao qual pertencem os trabalhos dos Enciclopedistas, como Voltaire, Rousseau, Montesquieu e tantos outros. Na época havia...