XI. Dos juramentos

45 0 0
                                    

     Outra contradição entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá-la. Como se o homem pudesse jurar de boa fé que vai contribuir para sua própria destruição! Como se, o mais das vezes, a voz do interesse não abafasse no coração humano a da religião!

     A história de todos os séculos prova que esse dom sagrado do céu é a coisa de que mais se abusa. E como a respeitarão os celerados, se ela é diariamente ultrajada pelos homens considerados mais sábios e mais virtuosos?

     Os motivos que a religião opõe ao temor dos tormentos e ao amor à vida são quase sempre fracos demais, porque não impressionam os sentidos. As coisas do céu estão submetidas a leis inteiramente diversas das da terra. Porque comprometer essas leis umas com as outras? Porque colocar o homem na atroz alternativa de ofender a Deus, ou perder-se? E não deixar ao acusado senão a escolha de ser mau cristão ou mártir do juramento. Destrói-se dessa forma toda a força dos sentimentos religiosos, único apoio da honestidade no coração da maior parte dos homens; e pouco a pouco os juramentos não são mais do que uma simples formalidade sem conseqüências.

     Consulte-se a experiência e se reconhecerá que os juramentos são inúteis, pois não há juiz que não convenha que jamais o juramento faz o acusado dizer a verdade.

     A razão faz ver que assim deve ser, porque todas as leis opostas aos sentimentos naturais do homem são vãs e conseguintemente funestas.

     Tais leis podem ser comparadas a um dique que se elevasse diretamente no meio das águas de um rio para interromper-lhe o curso: ou o dique é imediatamente derrubado pela torrente que o leva, ou se forma debaixo dele um abismo que o mina e o destrói insensivelmente.

Dos Delitos e Das PenasOnde histórias criam vida. Descubra agora