Chapter 26

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Terça-feira, 17 de Setembro de 2013 - Bristol, Inglaterra 

Pequenas gotas de agua salpicavam nos meus pés agora cheios de lama, estava gelada mas não queria entrar, não queria entrar e deparar-me com o mesmo cenário de a alguns anos atrás, a minha mãe a chorar, as amigas da minha avó a chorar, a família da minha avó a chorar, toda a gente a chorar a minha volta. Não queria o olhar deles em mim, não os queria ver a olharem para a única neta e pensarem que era cruel, que não me importava com o que tinha acontecido.  

Eu já sabia que isto ia acontecer quando encontrei a minha mãe a semana passada a chorar ao telefone na sua cama, num quarto completamente escuro.  

*Flashback on* 

"Não sei o que lhe vai acontecer" ela falou entre soluços "Não estou preparada, ainda é muito cedo, ainda sinto que foi ontem que o meu pai morreu, é muito cedo. Muito cedo." parei na entrada do quarto dela, uma pequena brecha na porta iluminava um pouco o quarto, o suficiente para eu ouvir a conversa, o suficiente para ver a minha mãe ali encolhida na cama, com o telefone colado ao ouvido e um lenço na mão esquerda. Queria entrar, queria perguntar-lhe o que se passava, mas eu já sabia, já sabia que era a avó, já sabia que ela tinha piorado, era algo de inevitável, algo que ninguém poderia impedir. "Eu sei" a minha mãe sussurrou enquanto que limpava as lagrimas "Não sou assim tao forte como pensas, a minha família esta a desmoronar a cada dia que passa, já quase que não me resta ninguém." ela gaguejou enquanto que falava "Vocês são tudo para mim, eu sei, mas eles também são e estão a partir aos pouco." encostei-me a parede fria, sentia-me triste por saber a minha mãe estava a sofrer mas não podia interferir na conversa, tinha a certeza que era o meu pai, tinha a certeza  que era ele quem mais a poderia consolar neste momento. Afastei-me da parede e caminhei até ao meu quarto, fechando a porta atras de mim. Não podia fazer nada, era o que acontecia as pessoas no fim, morriam. 

*Flashback off* 

Olhei para o céu nublado. Não iria chover intensamente, mas o tempo também não iria melhorar, não iria ficar mais quente, o mais provável era ficar mais frio. 

Queria ir buscar o meu casaco mas sabia que tinha que atravessar aquela sala, sabia que tinha que falar com aquelas pessoas todas e o mais provável era eu ter um ataque e reclamar com todos, reclamar por estarem ali na casa da avó sem fazer nada senão conversar sobre a ótima pessoa que foi e depois chorarem a recordarem os momentos, talvez rirem um pouco com historias que partilharam com ela ou até com o avô. Não tinha paciência para consolar as pessoas, não tinha jeito e não era algo que eu faria, não iria dizer o que não penso, iria dizer a verdade que para alguns seria encarada com horror e crueldade.  

"Olá" olhei para o lado e vi o Harry sentado ao meu lado, não me tinha apercebido que ele estava ali, não tinha reconhecido a voz muito rouca e tremula dele se não olha-se para o lado.  

"Ola" sorri mas ele não olhava para mim, estava fixado no chão, não conseguia ver os seus olhos por causa do seu cabelo despenteado. "Como estás?" ele levantou a cabeça rapidamente olhando para mim, apanhando-me a encara-lo. Encolhi os ombros. 

"Normal." ele enrugou a testa, podia se ver que ele tinha estado a chorar, os olhos dele estavam mais vermelhos que nunca, realçando de uma maneira estranha os seus olhos verdes. 

"Normal? Tens noção do que aconteceu a tua avó não tens?" eu acenei afirmativamente e ele enrugou ainda mais a testa "E estas assim? Como se nada tivesse acontecido?" a voz dele soou ainda mais rouca, soou mais fria do que nunca. 

"Aconteceu o que acontece a toda a gente, é o ciclo da vida." falei calmamente olhando-o nos olhos. Vi-o a levantar-se rapidamente e a andar agora desprotegido na chuva de um lado para o outro, as suas calças tinham alguns salpicos de lama enquanto que as suas sapatilhas se enterravam na relva ficando enlameadas. Ele colocou as mãos nas ancas quando parou mesmo a minha frente, os seus cabelos já largavam algumas gotas de agua. 

"Era a tua avó. Porra! Até eu estou mais triste que tu." ele gritou contra a chuva, contra mim. "Como é possível estares assim?" ele levantou os braços. 

"Que queres que faça? Que finja chorar? Que diga que vai correr tudo bem aquelas pessoas todas? Não vou dizer, não sou assim, já me devias conhecer a tempo suficiente para saberes que não vou mentir, que não vou dizer o que não penso, por mim podes chorar a vontade, podes revoltar-te a vontade, mas não tens o direito de me obrigar a estar como tu, não tens o direito de me obrigar a ser como tu ou como os outros. Eu gostava dela, ainda gosto mas não sou capaz de chorar, já devias saber isso. Não minto, vai contra a minha natureza, a forma como penso e se tu e os outros pensam que mentir é algo de normal então não vos percebo. Mas algo podes perceber, não vou deixar de ser quem sou, não vou deixar de ser quem sou nem por ti nem por ninguem." não me tinha apercebido que me tinha levantado e que estava a chuva, não me tinha apercebido que tinha levantado o braço e que lhe estava a apontar o dedo, não tinha percebido que ele se tinha afastado de mim. Recuei um passo e voltei a ficar abrigada, ele não se mexeu, ainda tinha os lábios um pouco separados, ainda estava a olhar para mim como se eu tivesse dito algo de irracional, recuei mais um passo subindo lentamente o degrau de acesso a cozinha, ele continuou sem se mexer. "Não vou deixar de ser quem sou, se não me aceitas assim, podes te ir embora, não serias o primeiro nem o ultimo." virei-lhe costas e entrei em casa, deixando para trás um rasto de agua e pegadas de lama, deixando para trás um Harry muito confuso. Passei pela minha mãe, passei por pessoas que não conhecia, passei por todos sem olhar para eles duas vezes. 

"Sofia!" a minha mãe chamou-me com a voz ainda mais fina, com a voz ainda mais chorosa. 

"Vou tomar banho, quero estar sozinha." soei mais áspera do que queria, não olhei para ela, subi as escadas rapidamente e tranquei-me na casa de banho. Deixei-me cair no chão frio, deixando-o castanho e húmido, fechei os olhos e respirei fundo, deixando a raiva desvanecer.

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